Esta semana completo meu primeiro mês vivendo longe de casa, vivendo em um local completamente isolado, podendo contar apenas com alguns jornais escoceses e uma internet bem lenta que não me motiva a me atualizar todos os dias. Vou sabendo o que acontece do mundo de relance, sem dar muito atenção por conta da natureza que me embriaga com sua paz e beleza. Neste lugar você é convidado a esquecer as tensões do planeta, neste lugar você está isolado, seus únicos vestígios do passado estão na memória e em alguns objetos de seu quarto.
Apesar dessa vida ser a ideal para muitos, e não posso negar que é algo completamente saudável para o corpo e o espírito, é inevitável sentir uma pequena angustia em alguns momentos, principalmente se tratando de um jovem como eu, que gosta de estar por dentro do que acontece no máximo de cantos que meu cérebro suportar. Ao mesmo tempo que estou aprendendo e trabalhando muito, também sinto um sentimento de intervalo de vida, de reenergização, de organização, de preparação. Como se aqui eu estivesse descansando, acumulando conhecimento e principalmente força para o futuro.
Ontem a noite quando já estava em minha cama tentando dormir com dificuldade, pois dormi a tarde devido ser meu dia de folga, eu olhava a fraca luz noturna entrando através da janela, iluminando com fraqueza o quarto, e discriminando o pequeno espaço do lugar. Naquele momento pensei o quão longe eu estava de tudo, nada mais ao redor de mim além de florestas, montanhas, plantações e algumas casinhas de fazendeiros charmosamente espalhadas por toda a região. E dentro daquela casa no meio do nada, eu estava num pequeno quarto, escuro, tentando dormir na minha também pequena mas confortável cama, nada além do silêncio e de meus pensamentos que costumam viajar sem conhecer limites.
Naquele momento me veio a cabeça aquelas pessoas que vivem em total isolamento, principalmente por punição, encarceradas, como um alimento estocado no armário escrito: “manter em local arejado”. Imagine um detento de uma prisão de segurança máxima, condenado a permanecer ali por mais de 30 anos. Sua vida não é nada, ela está preso, ocupa um cubículo todo branco, com um miserável colchão que não é possivel chamar de cama, uma pia e um vaso sanitário. De vez em quando ele sai para tomar sol, vai para um pequeno espaço onde a luz bate, fica alguns minutos e retorna ao seu cubículo.
A vida desse infeliz não tem sentido, ele está totalmente excluido da sociedade, nada possui além de suas lembranças, de sua memórias que são lembradas com dificuldade. A existência dele naquele momento não é mais que reflexão, dia e noite, noite e dia, ele e seus pensamentos, nada mais, durante mais de 30 anos. O que ele pensa? Eu quando estou sozinho aqui, penso logo na minha família, ou melhor, quase todos os momentos aqui sinto uma forte ligação com minha família, sinto vontade de abraçar, incomodar, rir, fazer rir etc.
O que será que o infeliz do presídio pensa? Se ele tiver família, provavelmente ele pensará na família, seriam mais de 30 anos só pensando nisso, mas se ele não tiver? Imagine você no lugar dessa pessoa. Nessa situação, um segundo demora um minuto, um minuto demora uma hora, e o tempo que deveria ser 30 anos acaba dando a impressão de 60. Todos os dias a mesma coisa, talvez você dê um nome para seu vaso sanitário, outro nome para a pia, converse com eles, discuta, ria, fique completamente louco.
Agora digamos que ele sobreviva, e provavelmente vai sobreviver, um dia depois de mais de 30 anos ele é literalmente cuspido para fora do presídio, “boa sorte!”. O que ele faz? Arruma um emprego? E se ele arrumar um emprego? Qual seria o sentido do emprego dele, ganhar dinheiro para sobreviver? A vida está completamente tombada, desmoronou, acabou, não há nada a fazer. Esse homem perdeu a motivação de tudo, ele está completamente alienado pela vida do cubículo, ele se arrependeu de seu crime e agora não tem o que fazer. Ele vai se suicidar, é uma certeza.
A partir dessa reflexão penso naqueles com poderes para julgar o futuro de um homem, como juízes. Provavelmente o juíz que o julgou teve uma vida dedicada aos estudos, e nunca, mas nunca sentiu o que é estar preso, isolado, encarcerado, mesmo assim ele tem o poder de dizer que o réu precisa de tantos anos naquela situação. É como você recomendar uma tarde de pescaria para um amigo só por ter lido algumas revistas sobre pescaria, quando na verdade você nunca pescou, nunca tentou, nunca experimentou.
Acredito que prender alguém é acabar com a vida de alguém, em alguns casos é pior que a pena de morte, dependendo de como você a vê. Por isso sou totalmente adepto dos trabalhos sociais, ou mesmo qualquer trabalho sem muito fundamento, apenas trabalho, para manter o ser ativo, para ele experimentar o tempo passando, para ele ser desafiado, para buscar se superar a cada dia. Um homem sem trabalho é um homem vazio, um homem sem trabalho e sem liberdade não é um homem, ele já morreu.
Isso que vc falou é uma verdade enorme. A questão do emprego é até um pouco mais complicada porque o preconceito e a discriminação contra ex-presidiários é de um nível absurdo (e não tiro totalmente a razão). Afinal, quem, diante da escolha de empregar alguém com ficha criminal limpa e outro com ficha criminal suja, escolheria o segundo?
ResponderExcluirAcho que essa questão toda tem que ser analisada dentro de um contexto para que a condição possa melhorar. São necessárias políticas de intervenção do estado a fim de que possa reinserir o preso na sociedade, de fato. O problema dessa questão começa com a taxa de desemprego do nosso país, que é enorme. Imagine para um ex-presidiário como a situação não piora! Com certeza é necessário um empurrãozinho do Estado para isso, até porque a pena, além de ter o caráter punitivo, teoricamente também tem o caráter ressocializador. É até engraçado a gente pensar na prisão como uma instituição ressocializadora, né? Geralmente quem entra lá sai pior e, depois de tanto isolamento, acho que o que predomina, no fim, é um sentimento de "vingança", raiva e pouco caso.
Na prisão (no regime fechado) há oportunidade de trabalho, que é tido inclusive como um priviégio (diminuindo um dia de pena a cada três de trabalho), mas as vagas são pouquíssimas e é praticamente impossível de conseguir. O regime semi-aberto é em colônia agrícola, industrial ou algo similar, onde ele pode trabalhar. Já no aberto o condenado deve ficar recolhido em casa de albergado durante a noite e trabalhar nos dias de folga ou fazer algum tipo de curso.
ResponderExcluirPor um lado também concordo que as vagas de trabalho na prisão deveriam se extender a todos, que merecem uma oportunidade, mas vejo essa questão como algo delicado - se o trabalho se tornasse obrigatório, por exemplo, a prisão, além de trazer o isolamento como pena, também acarretaria em trabalho forçado, o que é fortemente recriminado pela constituição. Então concordo com você, mas acho que deveria ser algo facultativo... no caso apenas ampliando as vagas e dando oportunidades a todos.
Mas isso tudo, claro, considerando que exista alguma salvação no nosso sistema carcerário, que está falido. Nas aulas de direito penal, em palestras, livros, grandes autores, enfim, a visão de que o sistema prisional brasileiro está falido é unanime e quase que incontestável... os presidios funcionam como "depósitos de gente". Medidas assim, embora sejam necessárias, são apenas paliativas diante do grande problema que o direito penal enfrenta hoje... Daí entra a questão: será que o problema ta na instituição da prisão em si, ou na forma como é administrada? Será que a melhor forma de agir quando alguém comete um crime é o isolamento? O direito penal ta precisando de cabeças novas, fresquinhas e de mente aberta para ajudar a bolar alguma solução que seja realmente efetiva para cumprir o seu principal objetivo que é o de reprimir a prática de crimes e de penalizar os já ocorridos de forma a ressocializar o agente e impor um sentimento de justiça.
ResponderExcluirQuanto à questão do juiz impor a pena, realmente é bem delicado medir a gravidade de um crime, transformando-a em tempo de pena a ser cumprido. Um crime de homicidio simples, por exemplo, implica em pena de reclusão de 6 a 20 anos... para decidir o tempo exato da pena entre esses limites, existe a chamada "dosimetria da pena", que passa por várias fases analisando o crime, o modo de execução, os motivos, o modo de vida do agente, que tipo de pessoa ele é, o papel que representa pra comunidade, os antecedentes criminais, agravantes, atenuantes, etc etc, a fim de adaptar ao máximo pena ao caso concreto, chegando o mais perto possível da pena que o agente realmente precisa... Apesar desse trabalho ser bem minucioso, personalizado e cuidadoso (pelo menos deve ser), realmente é muito dificil igualar duas "grandezas" de naturezas completamente diferentes, que são o crime e a pena. Afinal, como é que se converte a perda de uma vida em anos de prisão? Um estupro em tempo de reclusão? Um sequestro seguido de extorsão em duração de um isolamento? É mesmo muito delicado de se chegar em uma decisão justa, mas tem que ser feito e infelizmente acho que hoje não há solução melhor... mas olha o lado bom: pelo menos o concurso pra juiz é um dos mais concorridos e requer muitooooo estudo e preparação, garantindo alguém bem preparado para o cargo... imagina se fossem cargos nomedos, a putaria que não ia ser? heaoheiha..
ResponderExcluir:OO UFA! O comentário ficou tão grande que tive que dividir em partes! Falei demais, mas não tocou no direito, ainda mais direito penal, acho que não tem como eu falar pouco.. heauioheauihea..