quinta-feira, 16 de março de 2017

A morte da imaginação


Durante muito tempo o homem se acostumou a ser inspirado por lendas, estórias, mitos e outras narrativas que faziam da vida uma experiência um tanto estimulante. A cada fenômeno deste mundo a imaginação florescia: a chuva poderia ser um choro dos deuses, um vendavel o sopro de gigantes, um terremoto a agitação de um dragão que vive abaixo do solo.

As lendas e os contos de fadas maravilhavam as pessoas, assim como os milagres, fascinavam as crianças e as preparavam para os desafios da vida, sempre torneando a estória com o velho heroísmo medieval que transformava qualquer plebeu em um bravo titã, que vence seu medo e enfrenta as feras mais abomináveis que se pode imaginar.

Imerso neste mundo de maravilhas, o homem pintava a tela da vida com cores vivas, rechaçando a aridez do cotidiano e abrindo as portas para um mundo de infinitas possibilidades. O menino não queria ser um magnata, queria ser um herói, cheio de virtudes e consequentes honrarias, cheio de coragem e energia para fazer o bem, seja salvando uma princesa ou defendendo seu povo.

Não importa se tudo aquilo não estava de acordo com o método científico ou com os rebuscados modelos de experimentação modernos, como diria Roger Scruton: "O consolo de coisas imaginárias não é um consolo imaginário". A imaginação transformava a realidade e oferecia a qualquer pessoa a possibilidade de olhar os eventos de sua vida não como meras ações utilitárias, mas como verdadeiros episódios de uma narrativa épica capaz de inspirar gerações e mais gerações.

A popularização da ciência, não como ferramenta para fins específicos, mas como cultura e estilo de vida aplicado a todos, corta esta inclinação humana e transforma a jornada do homem na Terra numa mera conjuntura de ponderações materiais, objetivas e áridas, promovendo desenvolvimento econômico mas suplantando características naturais tão bem observadas em todas as civilizações.

Esvaziamos o homem, demos a ele o avião, o carro e a internet, mas tiramos dele um de seus bens mais importantes: a possibilidade de pensar além deste mundo, de se maravilhar com as coisas simples, e não apenas quando um foguete é lançado ao espaço. Ele usufrui da abundância material, ao tempo que se debate em miséria existencial, vagando por aí em busca de muletas que sustentem seu caminhar tosco e vacilante.

Ele vai ficando louco, não porque perdeu a razão, mas porque perdeu tudo, menos a razão. Do homem imaginativo de antes, nada sobrou, toda sua armadura de idéias foi descartada, levando-o ao deserto da mera investigação material e metodológica das coisas. Ele não enxerga mais a vida dos povos que habitam as profundezas da terra, nem o caminhar de gigantes que vivem além do horizonte, tudo foi registrado, catalogado, mecanizado, e então o homem se viu afogado num universo enciclopédico que fala sobre tudo, menos sobre ele mesmo.