quinta-feira, 21 de junho de 2012

Vida em comunidade

Padaria da comunidade, produção diária 100% orgânica.
Antes de falar sobre vida em comunidade, gostaria de falar sobre a vida usual que eu tinha (e teoricamente ainda tenho) no Brasil. Morava com minha família num bom apartamento no bairro do Meireles em Fortaleza, eu, meus pais e minha irmã que há alguns anos também deixou o Brasil, deixando nosso lar mais vazio. Morando num centro urbano, nunca falta nada, a vida é relativamente boa e nos dá até a impressão de que somos felizes. Vivemos rodeados de pessoas, de informação, de movimentação, sentimo-nos como altamente civilizados e envolvidos no mundo e na sociedade.

Porém algo sempre me incomodou neste estilo de vida, pois sempre senti um vazio e um deslocamento, como se ali não fosse o meu lugar, algo que sempre me inspirou a viajar e conhecer as opções que eu poderia ter para minha vida mundo a fora. Em meu lar, apesar de viver em harmonia com minha família, algo estava faltando, havia algo preso naquele cotidiano, sentia-me confuso, procurando descobrir porque todos se adaptavam tão bem às suas respectivas vidas e eu nunca conseguia me sentir estável.

Foi então que decidi experimentar a vida em comunidade, morando na Escócia, numa comunidade para deficientes mentais. Um lugar adorável entre as montanhas, adormecido num majestoso vale, banhado por um rio de águas geladas que penetram em meu quarto com o pacífico barulho da corrente incessante. Aqui a natureza é tão imponente, que este jovem da cidade não consegue nem lembrar com precisão a paisagem urbana. Aqui a vida é tão bonita e radiante que a palavra estresse continua sem sentido mesmo com qualquer professor Phd tentando explicar seu significado.

Trabalho em Madeira, workshop terapêutico.
Corbenic, onde moro, é uma comunidade dividida em 5 casas, Lochran, Mullach, Lindisfarne (minha casa), Cottage e Turach. Cada uma possui cerca de 8 a 10 pessoas, incluindo residentes e voluntários não-fixos (eu sou um deles). Minha casa possui 6 residentes (deficientes mentais) e 4 voluntários, além de coordenadores e outros empregados que não moram na casa fixamente. Imagine você, em pleno ano 2012, morando numa casa de 10 pessoas, talvez os seus avós saberão como é isso, já que na geração deles, isso seria mais normal.

Tente imaginar esta situação, eu suponho que mesmo com muita força de vontade, você não consiga ter ideia de como rica e movimentada seria a sua vida, principalmente porque grande parte da casa seria dependente a você, como você foi um dia das pessoas que te criaram desde a infância. Morar em comunidade é simplesmente preenchedor, e depois desta experiência você se pergunta como os seres humanos estão conseguindo viver cada dia mais isolados um do outro, se isolando na sociedade e até entre suas próprias famílias, trancando suas portas para seus semelhantes, sem muito amor restante, sobrevivendo sem brilho e sem respostas.

A cada dia que passa neste lugar, onde cerca de 60 pessoas vivem e outras dezenas circulam voluntario ou profissionalmente, eu concluo mais sobre a reflexão a respeito da natureza humana, do estilo de vida que deviamos seguir, enxergo que este período que vivemos, onde as famílias se isolam com medo uma das outras, é só uma pequena fase de rebeldia da humanidade, que logo logo reconhecerá sua real origem e se juntará como uma grande rede de paz, amor e fraternidade, onde o espírito comuntário reinará, e a felicidade se espalhará no coração de cada ser deste planeta.

Viver em comunidade é utópico e prazeroso, é criar laços fraternais, é assumir uma identidade real, é crescer incessantemente e reconhecer que não somos nada sozinhos. Somos como as células deste planeta, e só entraremos em harmonia quando trabalharmos juntos para a manutenção de todo o corpo. Uma grande lição levarei deste lugar e gostaria de mostrar para toda a humanidade, não somos nada sozinhos, absolutamente nada, se não abrimos nossos corações para nossos semelhantes, seremos apenas rebeldes nadando contra a corrente do progresso.

Reflita sobre o que o sistema está fazendo conosco, destruindo nossos laços e impondo uma ideologia de individualismo e competição, premiando aqueles que rebaixam os outros, mantendo hierarquias tiranas, maltratando a dignidade humana com a obsessão doentia pelo lucro, é este o mundo que queremos viver? Existem possibilidades muito mais compatíveis com nosso nível de evolução, não fechemos os olhos para o que acontece neste exato momento no planeta Terra, lutemos por uma nova era de união e progresso.

Voluntários de várias partes do mundo, Yuko (Japão) e Theresa (Áustria).


Separação do lixo para reciclagem, colaboração coletiva.
Cottage, uma das casas de Corbenic.