segunda-feira, 14 de março de 2011

O guarda


Ele era um menino que gostava de carrinhos e games, um sorriso aberto no meio da tristeza fria do calor diário. Gostava de se esconder atrás da mureta e gritar para as meninas que passavam, dava cantadas como se estivesse cantando, sem entender direito o que dizia, mas dizia o que a TV permitia. Era metido a corajoso, valente era seu sobrenome, queria ser general para levantar a bandeira da vitória e ser glorificado diante dos inimigos.
Estudar não era muito sua cara, gostava do perigo, da adrenalina. A mãe lamentava seu gosto um quão rudimentar. Nada disso importava a ele, que andava com o espírito firmado ao chão, seguro de seus atos, líder de suas condutas. Cresceu fazendo cara de mal, mas continuava com cara de menino mal criado. Queria um emprego, algo que impressionasse as mulheres, que lhe desse respeito a qualquer custo.
O menino virou policial, daqueles de fibra, casca dura, tudo por fora. Continuava um menino, coração novo, espalhado. Ganhou uma farda azul-clara, ao estilo militar, duas botas altas, com espessas plataformas, capaz de dar a ele mais altura, força, poder. Ele diz que recebeu treinamento, e dos bons, seguro de si, oferece segurança para desconhecidos. Carrega um cassetete que só deve ser utilizado quando extremamente necessário, que tentação para o garoto.
O menino continua tentando fazer cara de mal, mas permanece com cara de moleque mal criado, tente não aparentar que você pensa isso dele, pois sua reação será hostil, sua mente insiste em alertar que ele é grande, ele é a lei, ele deve ser respeitado. Respeito, poder, para ele esses são seus maiores valores, adquiridos de um dia para o outro, como o caçador que espera sentado a chegada de sua caça. Nada é melhor que essa sensação, e o perigo vale até a pena.
Vale mesmo? Vez ou outra ele deixa a consciência racional o morder suplicando uma reflexão apurada sobre o assunto. O salário é pouco, chega a incomodar, ele acaba tentando não pensar nisso. As condições de trabalho também são assombrosas, péssimas, ele até suporta. O problema é que a cada dia ele pensa mais nisso, o tempo vai passando, sua mente vai amadurecendo, porém cada fato contraditório interfere em seu equilíbrio.
Chega a ser irônico, um dever tão delicado, uma vida tão ingrata. Não perde a cara de mal. Aquilo tudo vai abalando suas emoções, vai descontrolando seus instintos. Ele segura multidões, mas nem consegue segurar ele mesmo, seu sangue é quente. O desespero culmina, o cassetete não é suficiente, ele atira, atira sua raiva, atira sua angústia, atira sua alma, ele não sabe o que fez.
A sociedade o condena, ele se lembra da mureta, lembra das meninas, observa seu presente em complexo, se vê preso, quer voltar, mas é um homem, e o tempo foi seu inimigo, pelo menos ele pensa assim. Talvez nada tenha sido seu inimigo, a não ser ele próprio, no dia em que fez suas escolhas, entretanto não havia ninguém para lhe dizer quais eram as melhores escolhas, mesmo assim ele escolheu. Ele atirou.


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