terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Perder lutando

Caminhava o velho ancião pela vila que já não se mostrava vibrante e otimista como antes. Após as batalhas sangrentas pouca coisa restou, os guerreiros foram dizimados, as mulheres violentadas e as crianças escravizadas e enviadas para longe dali. Os que ficaram já não tinham mais esperanças, estavam cansados, com fome, sem força para se levantar da melancolia que ali se enraizava. A angústia tomava os corações daqueles que ainda viviam e o medo era uma constante. O velho ancião sentado e compenetrado em silêncio pensava no que fazer a partir dali, qual sentido ainda restava para aquele povo que acumulava derrotas em busca de um futuro melhor? O que dizer agora para os mais jovens? Como recomeçar e aceitar a nova realidade?

Pensava nos tempos que haviam passado, tempos de paz e poucas preocupações, fartura e alegria para todos, ocupações edificantes e uma plenitude que há muito tempo não se vivia. A lágrima do ancião escorria de seus olhos e se espalhava no chão de barro daquele dia nublado. Não havia força depois de tudo que havia acontecido, a esperança era fusca e Deus nunca pareceu tão distante daqueles seres que já não conheciam a razão de continuar vivendo. Em um fôlego de coragem o velho se levantou com dificuldade, parou por alguns segundos em pé e começou a caminhar vacilante, sábio, mas confuso, dirigiu-se a sua tenda onde pegou um pedaço de pão já velho, duro, que oferecia todo o sabor da humilhação. Comeu e ali mesmo ficou por alguns dias, sem dormir, sem descansar, ainda lembrando as cenas de desespero daquela batalha, enquanto longe dali o inimigo se deliciava com seus banquetes regados a vinho, luxo e soberba, sendo servidos por servos que há alguns dias eram jovens e crianças livres.

O velho ancião não entendia o que houvera acontecido, a vitória parecia tão próxima, onde aquele povo havia errado? Por que eram insistentemente atingidos pela desgraça? Tudo era cinza, não havia consolo. Foi então que o ancião cansou de esperar e se levantou com dificuldade, saiu pela vila reunindo aqueles que sobraram e juntou todos em área centralizada clamando:

- Meus filhos, olhem para vocês, olhem para mim, olhem para todos ao seu redor. Reparem nesses rostos desanimados, nessas mãos cansadas, nessas roupas em farrapos, lembrem-se desse momento onde a esperança não parece existir. Esqueçam o inimigo e o que fizeram, olhem para si mesmos. Vejam que ainda estão vivos, e onde há vida, ainda há esperança, sempre haverá. Não se preocupem com o passado e nem com o futuro. Não se sintam humilhados, pois sabem que tudo que poderia ser feito, foi feito, e assim ainda somos todos donos de nossa honra. Eu sei que não é fácil recomeçar, vejam o estado de nossa vila incendiada e destruída, por onde poderíamos começar?! Há tanto agora para se fazer, tanta dor para se viver, mas não podemos desistir. Chegou a hora de mudarmos, a verdade de ontem não é a verdade de hoje, teremos que nos libertar de todo o passado que nos perturba a alma e dar espaço para o novo, o novo deve estar no seu olhar, na sua fala, no seu caminhar e no seu respirar. O novo deve invadir cada lar e estar presente em cada ato de força, até que seja parte integral da vida de cada um de nós. Levantem-se meus filhos, vamos limpar e queimar o que já não serve e dar lugar ao que está por vir.

E a partir daquele momento eles se levantaram das sombras para o início de um novo ciclo, ainda cheios de feridas, mas agora mais maduros e cuidadosos, transformando a humilhação do passado nas lições do presente. Sempre lutando, seguindo em frente, tijolo a tijolo, reconstruindo o que foi destruído, agora mais forte e seguro, para que em uma futura batalha a glória reinasse no coração de cada homem e a paz contagiasse cada vida que o medo ultrajasse. Não importa o tamanho da destruição, o velho ancião sabia que sempre haveria maneiras de recomeçar em meio à confusão da dor, não importando o tempo necessário para que os primeiros resultados surgissem. Paciência, resignação, coragem e fé.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Considerações sobre liberdade individual

Sou totalmente contra o fumo, porém sou totalmente contra qualquer lei que limite a utilização de cigarros. Sou quase que totalmente contra o uso de drogas, porém sou totalmente contra qualquer lei que limite o uso de drogas. Sou totalmente contra a utilização de armas, porém sou totalmente contra leis que limitem a utilização de armas. Acho que não sou a favor de andar sem roupas em ambientes públicos, porém sou totalmente contra leis que proíbam uma pessoa de se vestir da maneira que quiser, ou mesmo de não se vestir. Não gosto muito de cambistas, porém sou totalmente contra qualquer lei que limite a pratica do cambismo, considerando que essa é uma prática comercial legítima (uma prática comercial legítima é uma troca voluntária entre dois indivíduos independente da regulação e tributação do estado). Não como carne e sou contra o consumo de animais como alimentos, porém sou totalmente contra qualquer lei que limite o consumo dos mesmos.

Tenho meus princípios e os defendo, porém sou contra qualquer nível de coerção que force outros indivíduos a seguirem o que acredito, pois isso não seria nada mais que as crenças de um determinado ser (no caso eu), ou grupo, sobre outro determinado ser ou grupo. Quem somos nós para determinar o que outro indivíduo deve fazer ou acreditar que o que sustentamos é o melhor para todos? Eu acho cigarro ruim, mas quem sou eu para dizer que a minha colega Julia deve parar de fumar? Talvez isso seja bom para ela e eu até possa tentar convencê-la de que o cigarro é ruim, mas defender uma lei que force a Julia a parar de fumar? Quem sou eu? Quem sou eu para dizer que um indivíduo não pode ter uma arma por motivos de segurança? Sou por acaso um Deus ou um PhD que entende tudo sobre segurança pública e comportamento humano? Talvez se eu fosse um PhD nessa área saberia que grande parte de países e estados que a população é mais armada são aqueles com os menores índices de homicídios.

Quem sou eu para acreditar que uma lei que proíbe os clientes do bar do João de fumar é benéfica à comunidade? O bar não é do João?! Então deixem que o João decida se pode fumar ou não em seu estabelecimento! A melhor legislação é aquela que privilegia as liberdades individuais, é aquela que dá ao ser-humano a bela oportunidade de errar, acertar, e aprender de acordo com seus êxitos e fracassos. Uma legislação que reprime as escolhas dos indivíduos baseada na crença de que é a “vontade da maioria” não é mais que a imposição de certos valores sobre outros indivíduos, que deveriam vir a este planeta livres e em totais condições de usufruírem de seu livre-arbítrio para viverem de acordo com suas aspirações e necessidades subjetivas. Por que temos tanta ânsia em impor nossos valores aos outros? Por que queremos mudar o mundo nos baseando no que acreditamos? Visivelmente esse desejo não é mais que a manifestação de nosso deplorável orgulho que não permite aos outros indivíduos uma vida que fuja de nossos princípios, afinal, sempre estamos certos. Agora com franqueza, a melhor maneira de mudar o mundo é sem dúvida fazermos a nossa parte, respeitarmos as diferenças e sermos eternos defensores das liberdades individuais, pois as liberdades individuais constituem a grande força motriz que faz a civilização humana experimentar o verdadeiro e natural progresso, e quando a liberdade é reprimida, o resultado é sempre desastroso (ditaduras, opressão etc).


Mas até onde vai o limite da liberdade individual? Em que momento o indivíduo deve se sujeitar aos interesses da maioria? Bom, parece-me que a liberdade individual acaba quando ela invade ou ameaça outra liberdade individual, é o caso do homicídio, do cárcere privado, do roubo, da escravidão, da ameaça à vida e uma série de outros crimes que no fundo do entendimento humano sempre foram crimes e tudo indica que sempre serão. Se eu estou em um parque e um sujeito está fumando ao meu lado e isso me incomoda, eu apenas mudo de lugar, pois sou livre para me distanciar daquele indivíduo. Porém, se este indivíduo começar a me seguir, claramente ele está cruzando o limite de sua liberdade individual e adentrando criminosamente em minha liberdade individual, e isso não é aceitável.

Regulações e leis que limitem as liberdades individuais nunca vão trazer verdadeiras e profundas mudanças na sociedade, e sim deformidades que acabam sendo muito piores, como o tráfico. As verdadeiras mudanças deverão acontecer de acordo com o diálogo, a reflexão, a educação direcionada ao pensamento próprio de cada indivíduo, e tudo isso em um ambiente de total liberdade, livre de repressão sobre as decisões pessoais de cada um. Por isso, devemos refletir quando uma nova lei for criada sob aplausos e elogios acalorados, pois afinal de contas, feliz é aquela nação livre que pouco precisa de coerção. 



sábado, 5 de abril de 2014

Opinião pública, não custa nada questionar

Será que ninguém desconfiou algo de errado com esta pesquisa sobre as causas do estupro no Brasil? Será que seremos conduzidos como um passivo rebanho em toda publicação polêmica promovida pelo governo para sabe se lá quais objetivos? Vamos raciocinar, ao observar esta sociedade é fácil perceber que qualquer homem brasileiro é acostumado à presença de meninas e mulheres com trajes curtos ou que para alguns podem ser até provocantes, pouco importa a definição. Até parece que um short curto ou um decote leva o homem ao estupro, logicamente esses criminosos já tendem a praticar tais atos e pouco importa o traje de suas vítimas. A culpa é sempre do estuprador e ponto final, nem precisava de pesquisa sobre isso.

Eu não sei quanto ao seu caso, mas se eu perguntar para 10 pessoas de meu círculo social quem é o culpado pelo estupro eu tenho quase certeza que pelo menos 9 irão dizer que o traje utilizado pela mulher está longe de ter alguma culpa nos casos de violência sexual. Não é possível que ninguém parou para analisar que a pesquisa entrevistou pouco mais de 3.000 pessoas, sendo grande parte delas de baixíssima instrução.

A maioria das pesquisas do governo não retrata um perfil da heterogênea população brasileira, geralmente essas pesquisas acabam apenas por promover pseudo-heróis da justiça social e artistas que se aproveitam da polêmica para aparecerem um pouco nas redes sociais e garantirem um aumento de cachê para seus próximos trabalhos.  Além de também servirem para futuras criações de leis "humanitárias" que por trás escondem falcatruas políticas às quais estamos habituados.

Existem tantas coisas importantes ocorrendo atualmente no país e ninguém parece se manifestar, é impressionante a facilidade que os governantes possuem para ludibriar o povo com suas pesquisas de opinião e seus assuntos irrelevantes que buscam dividir a nação em classes conflituosas. Não quero dizer aqui que pesquisas de opinião pública são irrelevantes, mas não podem ser aceitas em primeiro ato como verdade absoluta ao ponto de jovens saírem por aí tirando fotos sem roupas nas redes sociais pedindo respeito, fala sério. Vamos pensar direito sobre como evitar violência sexual? Então vamos investir em educação, punir os criminosos com veemência, proteger e apoiar as vítimas e mostrar para a sociedade quais as consequências que um indivíduo deve enfrentar ao praticar tal crime.