Caminhava o velho ancião pela vila que já não
se mostrava vibrante e otimista como antes. Após as batalhas sangrentas pouca
coisa restou, os guerreiros foram dizimados, as mulheres violentadas e as
crianças escravizadas e enviadas para longe dali. Os que ficaram já não tinham
mais esperanças, estavam cansados, com fome, sem força para se levantar da
melancolia que ali se enraizava. A angústia tomava os corações daqueles que
ainda viviam e o medo era uma constante. O velho ancião sentado e compenetrado
em silêncio pensava no que fazer a partir dali, qual sentido ainda restava para
aquele povo que acumulava derrotas em busca de um futuro melhor? O que dizer
agora para os mais jovens? Como recomeçar e aceitar a nova realidade?
Pensava nos tempos que haviam passado, tempos
de paz e poucas preocupações, fartura e alegria para todos, ocupações edificantes
e uma plenitude que há muito tempo não se vivia. A lágrima do ancião escorria
de seus olhos e se espalhava no chão de barro daquele dia nublado. Não havia
força depois de tudo que havia acontecido, a esperança era fusca e Deus nunca
pareceu tão distante daqueles seres que já não conheciam a razão de continuar
vivendo. Em um fôlego de coragem o velho se levantou com dificuldade, parou por
alguns segundos em pé e começou a caminhar vacilante, sábio, mas confuso,
dirigiu-se a sua tenda onde pegou um pedaço de pão já velho, duro, que oferecia
todo o sabor da humilhação. Comeu e ali mesmo ficou por alguns dias, sem
dormir, sem descansar, ainda lembrando as cenas de desespero daquela batalha,
enquanto longe dali o inimigo se deliciava com seus banquetes regados a vinho,
luxo e soberba, sendo servidos por servos que há alguns dias eram jovens e
crianças livres.
O velho ancião não entendia o que houvera
acontecido, a vitória parecia tão próxima, onde aquele povo havia errado? Por
que eram insistentemente atingidos pela desgraça? Tudo era cinza, não havia consolo.
Foi então que o ancião cansou de esperar e se levantou com dificuldade, saiu
pela vila reunindo aqueles que sobraram e juntou todos em área centralizada
clamando:
- Meus filhos, olhem para vocês, olhem para
mim, olhem para todos ao seu redor. Reparem nesses rostos desanimados, nessas
mãos cansadas, nessas roupas em farrapos, lembrem-se desse momento onde a
esperança não parece existir. Esqueçam o inimigo e o que fizeram, olhem para si
mesmos. Vejam que ainda estão vivos, e onde há vida, ainda há esperança, sempre
haverá. Não se preocupem com o passado e nem com o futuro. Não se sintam
humilhados, pois sabem que tudo que poderia ser feito, foi feito, e assim ainda
somos todos donos de nossa honra. Eu sei que não é fácil recomeçar, vejam o
estado de nossa vila incendiada e destruída, por onde poderíamos começar?! Há
tanto agora para se fazer, tanta dor para se viver, mas não podemos desistir.
Chegou a hora de mudarmos, a verdade de ontem não é a verdade de hoje, teremos
que nos libertar de todo o passado que nos perturba a alma e dar espaço para o
novo, o novo deve estar no seu olhar, na sua fala, no seu caminhar e no seu
respirar. O novo deve invadir cada lar e estar presente em cada ato de força,
até que seja parte integral da vida de cada um de nós. Levantem-se meus filhos,
vamos limpar e queimar o que já não serve e dar lugar ao que está por vir.
E a partir daquele momento eles se levantaram das
sombras para o início de um novo ciclo, ainda cheios de feridas, mas agora mais
maduros e cuidadosos, transformando a humilhação do passado nas lições do
presente. Sempre lutando, seguindo em frente, tijolo a tijolo, reconstruindo o
que foi destruído, agora mais forte e seguro, para que em uma futura batalha a
glória reinasse no coração de cada homem e a paz contagiasse cada vida que o
medo ultrajasse. Não importa o tamanho da destruição, o velho ancião sabia que
sempre haveria maneiras de recomeçar em meio à confusão da dor, não importando
o tempo necessário para que os primeiros resultados surgissem. Paciência,
resignação, coragem e fé.
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