domingo, 26 de agosto de 2018

A ditadura da subversão e a intolerância dos tolerantes

Liberdade de expressão parece que é uma daquelas coisas que acabou se tornando uma espécie de dogma moderno. Quase não há quem diga que é contra a liberdade de expressão, e se há, estas pessoas tentam não se manifestar a respeito. Liberdade de pensar e dizer o que pensa é o que se vê entre as bandeiras de muita gente que têm certeza que são seres progressistas e muito mais "mente aberta" do que a média da população. Será?

Algo que tem se tornado cada vez mais perceptível é que boa parte destas pessoas que se dizem "liberais" e "mente aberta" têm uma extrema dificuldade em se portar frente a posições de opinião que divergem das delas. "Eu defendo que as pessoas sejam livres", dizem, mas basta o seu Joaquim Teixeira dizer que não gosta de algo que elas gostam e já ficam extremamente enfurecidas, como se uma simples opinião individual fosse um posicionamento autoritário e coercivo.

Grupos que se consideravam "marginalizados" pela sociedade, galgaram posições de poder e espaço pregando a tolerância frente às diferenças e convencendo uma sociedade conservadora a se abrir para o novo, aceitando aqueles que optavam por estilos de vida que iam de encontro com a cultura tradicional vigente. Eles chegaram lá, reinvidicaram suas liberdades, geraram a ruptura que tanto queriam e então todos poderiam ficar em paz, certo? Não foi bem assim.

Os grupos que antes se utilizaram do discurso da tolerância para serem "deixados em paz", o que é algo justo, não pararam aí. Continuaram atuando de forma a desarmar todo o arcabouço tradicional da sociedade que os ofereceu um espaço, comportando-se como verdadeiros agentes subversivos, querendo virar tudo de pernas para o ar, não só atuando de forma ativa para alterar todos os padrões consagrados pelo tempo e pela luta da sobrevivência, mas também censurando de todas as formas possíveis aqueles que se recusam a se adaptar a tal estilo de vida.

Em outras palavras, a sociedade tradicional se abriu para as virtudes do liberalismo moderno, mas os grupos que ascenderam ao poder solapando os valores tradicionais estão pouco se lixando para estas mesmas virtudes que permitiram sua própria ascensão. Não basta a eles terem a liberdade de falarem e serem o que são, é preciso substituir toda a ordem cultural vigente, fundando um total novo estilo de vida, que havia sido introduzido como "subversão", mas que busca se estabelecer como ordem hegemônica. Eis o porquê da fúria contra o cidadão comum que se posiciona contra as "novidades" que parecem ser impostas todos os dias por variadas máquinas de propaganda que se estabeleceram a partir do período pós-guerra.

Estes grupos subversivos que vêm conquistando cada vez mais espaços costumam ridicularizar as visões dogmáticas e todo o senso de orientação que havia conduzido o homem comum até aqui, o problema é que mal percebem que já há algum tempo eles estão se tornando fundadores de novos dogmas e referências existenciais, fundando, na prática, uma religião alternativa, que ganha corpo na fusão de inúmeras ideologias modernas, e à medida que assumem posições de poder, mostram-se até mais autoritários do que a ordem tradicional que buscaram suplantar apoiados no discurso da "liberdade".

Portanto, muito cuidado com aqueles que saem por aí brandando a "luta pela liberdade", a "tolerância" e o "amor", palavras que têm seus significados paulatinamente alterados de forma a servir melhor os desígnios ideológicos já traçados. Quando alguém diz que é "tolerante" e fica enfurecido com uma opinião muito diferente, pode ir desconfiando que as sementes do totalitarismo já germinam por ali.

sábado, 25 de agosto de 2018

Você não tem controle sobre a vida de outras pessoas

Há um certo vício humano que já há algum tempo tem chamado minha atenção devido ao nível de conflitos e sofrimento que tende a gerar em relacionamentos das mais variadas natureza. Pais e filhos, esposos e esposas, amigos, empregados e empregadores etc. O vício consiste em acreditar que se tem controle sobre a vida do outro, uma sensação de exacerbada responsabilidade frente às questões do próximo, que muitas vezes pode ser movida por bons sentimentos de carinho e proteção, mas que tende a cair, fatalmente, num cenário obsessivo de incondicional tutela, muitas vezes chegando a níveis de um truculento autoritarismo (mais comum em relação de pais e filhos).

Logicamente, se remetermos a questão aos pecados capitais, teremos como "pecado-mãe" desta prática o orgulho, que se manifesta solapando os bons sentimentos de saudável proteção e incitando o indivíduo a impor sua crenças ao outro, cerceando a liberdade deste e tendo a falsa sensação de que está "tudo sob controle", ou melhor dizendo: "está tudo sob o meu controle". Tal condição mental conduz o "controlador" a níveis cada vez mais intensos de tutela, fazendo-o acreditar até que a sobrevivência do "controlado" depende dele, o que o faz assumir um comportamento cada vez mais autoritário, transformando uma relação que deveria ser de amor e carinho em uma prisão de tensão e frustração de ambos os lados.

Quando a proteção do próximo cruza os limites do bom senso, tanto o controlado como o controlador passam a sofrer, o primeiro porque sente que perde sua liberdade e passa a ser uma espécie de servo psicológico do outro, enquanto o segundo vai aos poucos deixando de viver a própria vida e passando a ter em mente apenas seu tutelado, e com um agravante, dificilmente este tutelado consegue cumprir todas as exigências de seu tutor, ou seja, no final está todo mundo desiludido, desgastado e muitas vezes deprimido.

Se você insiste em controlar a vida de outras pessoas, pare, você está gerando sofrimento tanto para elas quanto para você. É justo você se preocupar com alguém que ama, mas esta preocupação deve ser exercida de maneira moderada, sem restringir a liberdade do outro (a não ser que seja um incapaz). As pessoas devem ser livres para errar, para sofrer, para cair, para "passar vergonha" e para amadurecer por conta própria, ficar tutelando todos os aspectos do desenvolvimento do outro, além de prejudicá-lo, também vai acabar com você. Deixe-o errar, deixe-o viver.

De forma semelhante, aqueles que são plenamente capazes e mesmo assim forçam uma dependência a outras pessoas, por mera comodidade, também devem tomar uma atitude e parar de sobrecarregar seus próximos. Este é o grupo das pessoas que estão sempre necessitando da atenção do outro, seja de forma emocional ou até monetária. Se você acha que está neste grupo, entenda que ficar esperando o amparo dos outros é uma péssima ideia, você estará deixando de desenvolver sua autonomia e estará sempre criando expectativas nos outros.

Não quero propor aqui algum tipo de utopia onde todos são livres, autônomos e independentes. Reconheço que durante a vida vamos criando laços e vínculos que oscilam de intensidade dependendo das cicunstâncias. Mas busco chamar a atenção para a necessidade de se ajustar melhor a estas circunstâncias. Talvez aquela pessoa que você acha que depende de você já está pronta para ter mais liberdade, então é hora de dar um passo para trás. Talvez o controle que você exerce na vida do outro pode ter sido importante em algum momento, mas agora pode estar fazendo mal para ambos. Da mesma forma que um gestor realoca seus recursos de acordo com as oscilações de mercado, nós precisamos adaptar nossas formas de agir de acordo com o que está acontecendo, tendo consciência de que a realidade está sempre nos convidando à mudança.

Acima de tudo, "deixar viver" é uma questão de humildade, de entender que não estamos no controle, de que somos muito menos capazes do que eventualmente pensamos que somos, de que os outros precisam de liberdade e que mesmo que errem, não somos nós os responsáveis por impedir que errem. Tal lógica pode ser aplicada tanto à psicologia, como também às ciências sociais e à teoria geral do Estado (campos de estudo que tenho mais familiaridade). Moderar suas ações sobre a vida de outras pessoas não é uma tarefa fácil, exige certa sensibilidade e muito cuidado para não cair nos extremismos, mas à medida em que aprendemos a nos comportar melhor, vamos notando como nossos relacionamentos também melhoram, fazendo com que todos ganhem um pouco.

domingo, 19 de agosto de 2018

Assuma seus problemas e pare de reclamar

Outro dia ouvi uma pessoa contando a história de um rapaz que era muito inteligente, mas era insatisfeito com a própria vida. Este rapaz tinha uma relação difícil com seu pai, e costumava reclamar muito a respeito, muitas vezes atribuindo ao pai uma série de coisas que fazia parte de sua realidade como adulto. Dizia que o fato do pai ter uma personalidade "difícil", fez com que ele adquirisse certas características que explicavam muito de sua insatisfação.

Atribuir aos pais diversos de nossos problemas como adultos é uma coisa extremamente comum. Mal posso contar o tanto de pessoas que já ouvi falando sobre os problemas que partiram de uma "relação complicada" com os pais. "Minha mãe era assim, por isso eu sou assim". "Meu pai fazia isso, por isso eu acabei nessa". Parece que pai e mãe são excelentes bodes expiatórios, afinal estão ali por perto, costumam continuar nos amando mesmo quando não somos os melhores filhos e muitas vezes acabam aceitando a teoria que jogamos pra cima deles.

Mas este texto não é sobre "culpar os pais", e sim sobre este vício que as pessoas têm em atribuir todos os seus problemas a agentes externos. Considero esta prática extremamente perversa consigo mesmo, por isso a importância de refletir sobre o assunto. É, sem dúvida, muito mais fácil culpar os outros sobre aquilo que você considera um problema, evitando fazer uma auto análise e dar início às reformas que todos nós temos que operar durante esta vida, por isso, talvez, seja uma prática tão comum.

O esforço em fugir da responsabilidade frequentemente chega a níveis de articulação monumentais, demonstrando que o indivíduo teria até a capacidade de buscar soluções, mas ainda assim acaba preferindo dar um jeito de culpar o outro ou outra coisa. Esta "arte de fugir das responsabilidades" pode ser percebida em muita gente, mas é, acima de tudo, uma característica da infância. Crianças estão sempre buscando culpar os outros sobre coisas que elas sabem que elas mesmas fizeram, é algo natural, algo da infância, e estranho seria se não fosse assim.

Acontece que esta mania infantil acaba seguindo ativa em muita gente mesmo depois de chegar à idade adulta. Não são poucos os adultos que são extremamente infantis neste aspecto, nunca assumem responsabilidades, nunca tomam a frente, sempre fogem e buscam bodes expiatórios para tudo. Quando consideram que suas vidas "deram errado", ficam andando pelos cantos, chorando e lamentando o fato de que "aquilo" ou "aquela pessoa" fez com que sua situação de vida chegasse àquele ponto.

Esta atual nova geração de adultos em especial, que alguns estão enquadrando como "millenials", está sempre a procura de "algo" ou "alguém" que explique sua infelicidade. Pode ser algo pequeno e próximo, como uma pessoa, ou algo maior e muito mais amplo, como o sistema econômico e social vigentes. Estão sempre em busca de inimigos externos, ao mesmo tempo que demandam do mundo uma série de exigências que consideram justas e importantes, e que eles merecem simplesmente por estarem vivos.

Mas esta é só uma geração que levou o vício um pouco mais além. No geral, as pessoas fazem isso, não importa de que geração elas vieram. Estão sempre culpando algo, e isto é um caminho fatal para o cárcere do sofrimento. Durante a vida somos constantemente surpreendidos com situações adversas, estas situações geram cenários de crises, e cenários de crises nos obrigam a mudar. O problema é que se não associarmos a crise a nós mesmos - como seres que podem se adaptar a quase tudo - nunca compreenderemos que devemos mudar, estacionando em determinada condição e buscando culpados. Tal pratica é tão perversa que além de não detectarmos onde temos que mudar, permanecendo em crise, ainda colocamos a carga do problema em outras pesssoas, fazendo mais gente sofrer junto (muitas vezes tal prática é percebida em grupos com várias pessoas, com todos jogando suas responsabilidade uns para os outros, gerando um ciclo de estresse e sofrimento interminável).

Isto é muito comum, chegando a ser rara aquela pessoa que simplesmente assume tudo e traz a responsabilidade para ela mesma (uma espécie de herói psicológico), esta pessoa precisa se esforçar muito para encontrar soluções, adaptar-se e superar aquilo que parecia insuperável, mas depois que faz isso tudo, acaba se tornando um ser bem diferenciado, marcado por sua força, destreza e capacidade de lidar com os desafios de forma muito mais serena e resoluta, enquanto aquele outro que fica culpando os outros, torna-se cada vez mais fraco, desesperado, ansioso e depressivo, sem entender porque ele não consegue sair daquela situação.

Colocar-se a frente e assumir seus problemas e, muitas vezes, o problema dos outros, é a grande marca da maturidade, verdadeira postura daqueles que podem ser considerados livres, autônomos e até autosuficientes. Curiosamente tal postura não depende de idade ou situação, há pessoas que vivem em situações extremamente adversas mas são verdadeiros gigantes da personalidade, enquanto outras nascem em berço de ouro e vivem aprisionadas num eterno desgosto com a vida, como se fossem absolutas merecedoras da felicidade, sem que houvesse a mínima necessidade de fazer esforço para isto. Que possamos assumir nossos deveres, pois não há outro caminho para a liberdade.