sábado, 25 de agosto de 2018

Você não tem controle sobre a vida de outras pessoas

Há um certo vício humano que já há algum tempo tem chamado minha atenção devido ao nível de conflitos e sofrimento que tende a gerar em relacionamentos das mais variadas natureza. Pais e filhos, esposos e esposas, amigos, empregados e empregadores etc. O vício consiste em acreditar que se tem controle sobre a vida do outro, uma sensação de exacerbada responsabilidade frente às questões do próximo, que muitas vezes pode ser movida por bons sentimentos de carinho e proteção, mas que tende a cair, fatalmente, num cenário obsessivo de incondicional tutela, muitas vezes chegando a níveis de um truculento autoritarismo (mais comum em relação de pais e filhos).

Logicamente, se remetermos a questão aos pecados capitais, teremos como "pecado-mãe" desta prática o orgulho, que se manifesta solapando os bons sentimentos de saudável proteção e incitando o indivíduo a impor sua crenças ao outro, cerceando a liberdade deste e tendo a falsa sensação de que está "tudo sob controle", ou melhor dizendo: "está tudo sob o meu controle". Tal condição mental conduz o "controlador" a níveis cada vez mais intensos de tutela, fazendo-o acreditar até que a sobrevivência do "controlado" depende dele, o que o faz assumir um comportamento cada vez mais autoritário, transformando uma relação que deveria ser de amor e carinho em uma prisão de tensão e frustração de ambos os lados.

Quando a proteção do próximo cruza os limites do bom senso, tanto o controlado como o controlador passam a sofrer, o primeiro porque sente que perde sua liberdade e passa a ser uma espécie de servo psicológico do outro, enquanto o segundo vai aos poucos deixando de viver a própria vida e passando a ter em mente apenas seu tutelado, e com um agravante, dificilmente este tutelado consegue cumprir todas as exigências de seu tutor, ou seja, no final está todo mundo desiludido, desgastado e muitas vezes deprimido.

Se você insiste em controlar a vida de outras pessoas, pare, você está gerando sofrimento tanto para elas quanto para você. É justo você se preocupar com alguém que ama, mas esta preocupação deve ser exercida de maneira moderada, sem restringir a liberdade do outro (a não ser que seja um incapaz). As pessoas devem ser livres para errar, para sofrer, para cair, para "passar vergonha" e para amadurecer por conta própria, ficar tutelando todos os aspectos do desenvolvimento do outro, além de prejudicá-lo, também vai acabar com você. Deixe-o errar, deixe-o viver.

De forma semelhante, aqueles que são plenamente capazes e mesmo assim forçam uma dependência a outras pessoas, por mera comodidade, também devem tomar uma atitude e parar de sobrecarregar seus próximos. Este é o grupo das pessoas que estão sempre necessitando da atenção do outro, seja de forma emocional ou até monetária. Se você acha que está neste grupo, entenda que ficar esperando o amparo dos outros é uma péssima ideia, você estará deixando de desenvolver sua autonomia e estará sempre criando expectativas nos outros.

Não quero propor aqui algum tipo de utopia onde todos são livres, autônomos e independentes. Reconheço que durante a vida vamos criando laços e vínculos que oscilam de intensidade dependendo das cicunstâncias. Mas busco chamar a atenção para a necessidade de se ajustar melhor a estas circunstâncias. Talvez aquela pessoa que você acha que depende de você já está pronta para ter mais liberdade, então é hora de dar um passo para trás. Talvez o controle que você exerce na vida do outro pode ter sido importante em algum momento, mas agora pode estar fazendo mal para ambos. Da mesma forma que um gestor realoca seus recursos de acordo com as oscilações de mercado, nós precisamos adaptar nossas formas de agir de acordo com o que está acontecendo, tendo consciência de que a realidade está sempre nos convidando à mudança.

Acima de tudo, "deixar viver" é uma questão de humildade, de entender que não estamos no controle, de que somos muito menos capazes do que eventualmente pensamos que somos, de que os outros precisam de liberdade e que mesmo que errem, não somos nós os responsáveis por impedir que errem. Tal lógica pode ser aplicada tanto à psicologia, como também às ciências sociais e à teoria geral do Estado (campos de estudo que tenho mais familiaridade). Moderar suas ações sobre a vida de outras pessoas não é uma tarefa fácil, exige certa sensibilidade e muito cuidado para não cair nos extremismos, mas à medida em que aprendemos a nos comportar melhor, vamos notando como nossos relacionamentos também melhoram, fazendo com que todos ganhem um pouco.

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