Outro dia ouvi uma pessoa contando a história de um rapaz que era muito inteligente, mas era insatisfeito com a própria vida. Este rapaz tinha uma relação difícil com seu pai, e costumava reclamar muito a respeito, muitas vezes atribuindo ao pai uma série de coisas que fazia parte de sua realidade como adulto. Dizia que o fato do pai ter uma personalidade "difícil", fez com que ele adquirisse certas características que explicavam muito de sua insatisfação.
Atribuir aos pais diversos de nossos problemas como adultos é uma coisa extremamente comum. Mal posso contar o tanto de pessoas que já ouvi falando sobre os problemas que partiram de uma "relação complicada" com os pais. "Minha mãe era assim, por isso eu sou assim". "Meu pai fazia isso, por isso eu acabei nessa". Parece que pai e mãe são excelentes bodes expiatórios, afinal estão ali por perto, costumam continuar nos amando mesmo quando não somos os melhores filhos e muitas vezes acabam aceitando a teoria que jogamos pra cima deles.
Mas este texto não é sobre "culpar os pais", e sim sobre este vício que as pessoas têm em atribuir todos os seus problemas a agentes externos. Considero esta prática extremamente perversa consigo mesmo, por isso a importância de refletir sobre o assunto. É, sem dúvida, muito mais fácil culpar os outros sobre aquilo que você considera um problema, evitando fazer uma auto análise e dar início às reformas que todos nós temos que operar durante esta vida, por isso, talvez, seja uma prática tão comum.
O esforço em fugir da responsabilidade frequentemente chega a níveis de articulação monumentais, demonstrando que o indivíduo teria até a capacidade de buscar soluções, mas ainda assim acaba preferindo dar um jeito de culpar o outro ou outra coisa. Esta "arte de fugir das responsabilidades" pode ser percebida em muita gente, mas é, acima de tudo, uma característica da infância. Crianças estão sempre buscando culpar os outros sobre coisas que elas sabem que elas mesmas fizeram, é algo natural, algo da infância, e estranho seria se não fosse assim.
Acontece que esta mania infantil acaba seguindo ativa em muita gente mesmo depois de chegar à idade adulta. Não são poucos os adultos que são extremamente infantis neste aspecto, nunca assumem responsabilidades, nunca tomam a frente, sempre fogem e buscam bodes expiatórios para tudo. Quando consideram que suas vidas "deram errado", ficam andando pelos cantos, chorando e lamentando o fato de que "aquilo" ou "aquela pessoa" fez com que sua situação de vida chegasse àquele ponto.
Esta atual nova geração de adultos em especial, que alguns estão enquadrando como "millenials", está sempre a procura de "algo" ou "alguém" que explique sua infelicidade. Pode ser algo pequeno e próximo, como uma pessoa, ou algo maior e muito mais amplo, como o sistema econômico e social vigentes. Estão sempre em busca de inimigos externos, ao mesmo tempo que demandam do mundo uma série de exigências que consideram justas e importantes, e que eles merecem simplesmente por estarem vivos.
Mas esta é só uma geração que levou o vício um pouco mais além. No geral, as pessoas fazem isso, não importa de que geração elas vieram. Estão sempre culpando algo, e isto é um caminho fatal para o cárcere do sofrimento. Durante a vida somos constantemente surpreendidos com situações adversas, estas situações geram cenários de crises, e cenários de crises nos obrigam a mudar. O problema é que se não associarmos a crise a nós mesmos - como seres que podem se adaptar a quase tudo - nunca compreenderemos que devemos mudar, estacionando em determinada condição e buscando culpados. Tal pratica é tão perversa que além de não detectarmos onde temos que mudar, permanecendo em crise, ainda colocamos a carga do problema em outras pesssoas, fazendo mais gente sofrer junto (muitas vezes tal prática é percebida em grupos com várias pessoas, com todos jogando suas responsabilidade uns para os outros, gerando um ciclo de estresse e sofrimento interminável).
Isto é muito comum, chegando a ser rara aquela pessoa que simplesmente assume tudo e traz a responsabilidade para ela mesma (uma espécie de herói psicológico), esta pessoa precisa se esforçar muito para encontrar soluções, adaptar-se e superar aquilo que parecia insuperável, mas depois que faz isso tudo, acaba se tornando um ser bem diferenciado, marcado por sua força, destreza e capacidade de lidar com os desafios de forma muito mais serena e resoluta, enquanto aquele outro que fica culpando os outros, torna-se cada vez mais fraco, desesperado, ansioso e depressivo, sem entender porque ele não consegue sair daquela situação.
Colocar-se a frente e assumir seus problemas e, muitas vezes, o problema dos outros, é a grande marca da maturidade, verdadeira postura daqueles que podem ser considerados livres, autônomos e até autosuficientes. Curiosamente tal postura não depende de idade ou situação, há pessoas que vivem em situações extremamente adversas mas são verdadeiros gigantes da personalidade, enquanto outras nascem em berço de ouro e vivem aprisionadas num eterno desgosto com a vida, como se fossem absolutas merecedoras da felicidade, sem que houvesse a mínima necessidade de fazer esforço para isto. Que possamos assumir nossos deveres, pois não há outro caminho para a liberdade.
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