quinta-feira, 7 de setembro de 2017

O socialismo não leva ao socialismo

Seria interessante se o socialismo realmente nos levasse ao socialismo, não que em algum momento o socialismo chegasse a ser um sistema moralmente aceitável, mas se pelo menos funcionasse e nos levasse a uma condição de sobrevivência tolerável, poderíamos até reconhecê-lo como algo "discutível". Porém a realidade é muito, muito longe da teoria. O socialismo não nos leva ao socialismo, ele nos leva à escravidão.

Imagine um senador do PSOL defendendo esta ideologia e dizendo que com ela teremos mais liberdade, ele pode ter as melhores intenções, mas desconhece o que está realmente defendendo. Quando jovens inexperientes caem neste erro podemos até tolerar, mas adultos experientes defendendo tal ideia somente nos leva a duas possibilidades: (I) o sujeito tem alguma deficiência cognitiva ou (II) trata-se mesmo de um mau-caráter querendo subir ao poder.

Está mais que provado, tanto pela teoria praxeológica austríaca, quanto pelas experiências históricas reais, que a tomada dos meios de produção e a coletivização da propriedade pelo estado nos leva, inevitavelmente, ao colapso econômico, à destruição de riquezas, à pobreza e, consequentemente, ao despotismo, pois apenas uma tirania violenta conseguiria se manter no poder frente à dizimação humana que estaria em curso.

Em outras palavras, podemos apenas relacionar "socialismo" a "liberdade" se deturparmos completamente o sentido de "liberdade", de forma tal que um presidiário pudesse ser considerado um homem livre, simplesmente porque ele tem um teto, alimentação e pequenos momentos de lazer. Ora, não seria isso a situação do regime cubano em suas devidas proporções? Será que isso é liberdade para os socialistas? Simplesmente sobreviver? Não entrarei no mérito se os cubanos são felizes ou não, eles podem até ser, assim como um escravo pode ser feliz ao ser bem tratado por seu senhor. Mas isto definitivamente não é liberdade.

Eu sou mais feliz sendo livre, pois gosto de tentar coisas novas, empreender, ter meus projetos individuais, lidar com o desconhecido, mas este sou eu, e sei que nem todos aspiram os mesmos valores. Você não precisa ser livre para ser feliz, até porque quanto mais liberdade se tem, mais responsabilidade também é colocada sobre seus ombros. O socialismo é uma revolta contra a responsabilidade, é uma luta pela libertação da realidade, é uma fuga e, sendo um pouco mais duro, uma forma de suicídio.

Aquele socialista cheio de energia humana e que vive falando de amor, está, na realidade, morto, ele está se desligando das coisas como elas são, ele não quer alterá-las de forma engenhosa e racional como os empreendedores, ele quer a destruição imediata de tudo e um redirecionamento cósmico para sua utopia. Ele busca liberdade e, sem perceber, conduz a sociedade à escravidão, ao declínio e até a sua destruição.

E o que esperar de um país onde as aspirações políticas estão canalizadas para um objetivo intangível? Simplesmente a ascensão da demagogia mais vulgar, da hipocrisia, da mentira e do solapamento dos valores morais mais fundamentais. Quanto mais forte é o ideal socialista em uma sociedade, mais caótica ela será, e quanto mais tempo ela for liderada por tais ideias, mais difícil será reverter o processo. A vigilância sobre o avanço desta ideologia deve ser constante, implacável e incansável, pois nós ainda temos um pouco de liberdade, mas seria lamentável se nossos descendentes fossem coagidos a acreditar que "não há nada mais livre que a escravidão".

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Considerações sobre síndrome do regresso

Nunca cheguei a fazer um intercâmbio de estudos como os que estamos acostumados a ver, na vez que quase fui, umas coisas deram errado e acabei não indo. Mas como você pode ter visto neste blog, já morei no exterior, um ano na Europa e uns cinco meses nos EUA. Ambas as experiências foram ótimas, especialmente a primeira, porém não queria falar sobre isso, e sim sobre o "depois".

Muita gente tem a tal "síndrome do regresso", uns têm pouco e passa rapidinho, outros demoram mas depois de um certo tempo fica tudo bem, outros têm muito mais dificuldades em superar a mudança radical, geralmente saindo de um lugar melhor para uma vida brasileira bem "marromeno". É claro que isso varia muito de pessoa pra pessoa, até porque todos têm circunstâncias diferentes.

Digo isso pois acredito que os mais "bem de vida" não sentem tanto o impacto. Peguemos por exemplo um filho de empresários bem sucedidos que viveu em Londres por um ano e voltou pra casa, ele chegará em casa e seu padrão de vida continuará elevado, por mais que o Brasil esteja um caos. Ele tem carrão, mora num condominiozão, quase não tem preocupações etc. Ele ficará triste por não fazer mais viagenzinhas na Europa, mas vai passar.

Agora pegue um jovem de classe média com dificuldades financeiras que viajou pelo "Ciência sem Fronteiras", o sujeito passou um ano na Austrália bancado pelo governo e tendo experiências completamente "fora do comum" em relação à sua vida média brasileira. Não se preocupava com assaltos, vivia bem, estudava em uma universidade de primeira e assim por diante, dá pra imaginar como uma temporada assim é especial pra essa pessoa (é bom salientar que ainda assim sou contra o programa).

Este segundo sujeito vai ter um choque violento quando voltar pra casa. Não conheci tantas pessoas que fizeram o programa, mas conheci pessoas de classe média que passaram um tempo no exterior e voltaram: man, it's sad. Eu sou uma dessas e confesso que mesmo há três anos no Brasil (decidi me formar aqui antes de fazer qualquer outra coisa mundo a fora) a readaptação é muito difícil. Eu tive e ainda tenho certa dificuldade, mas conheci pessoas em situações muito piores.

É complicado. Vivi no Reino Unido, em um interior belo e civilizado, num clima muito agradável (sim, acho o clima britânico agradável) e ainda lembro a sensação de liberdade, segurança, bem-estar, pessoas educadas, moeda forte e todas essas coisas clichês que já sabemos sobre o primeiro mundo. E então voltamos ao Brasil, no meu caso a uma capital do nordeste: calor, violência, trânsito caótico, pessoas mal-educadas, muros altos, pichações, inflação, salários baixos, impostos sem retorno, escândalos de corrupção e nada funciona com exceção de algumas partes do setor privado (se você puder pagar).

Só quem viveu fora sabe, e é por isso que às vezes fico com inveja de quem nunca conheceu o lado de lá (parece que estou falando de outra dimensão, né?), essa pessoa pode até não ter tido as experiências que tive, mas pelo menos ela costuma ser satisfeita com sua realidade. O ser-humano é muito adaptável, se você criar ele em um casebre sem eletricidade e água encanada, ele vai aprender a viver e pode até ser feliz, mas se você colocar ele em uma mansão por alguns anos e depois obrigá-lo a voltar ao casebre, aí a coisa fica feia. Ele pode até voltar, mas provavelmente vai passar muitos anos em melancolia, lembrando dos momentos que teve enquanto morava naquela mansão.

Há muita gente nessa situação, ou prestes a entrar nesta situação, a sugestão que tenho é que siga vivendo e tente encontrar o lado bom da vida, por mais tenebroso que tudo possa parecer estar, aos poucos você vai se readaptando. Tenha paciência e lembre-se: somos muito adaptáveis. No meu caso duas coisas são de extrema importância, uma é a religião e os diálogos constantes com Deus, a outra são os livros, onde posso viajar a vontade, conhecer lugares e pessoas interessantes sem sair de casa, mas o mais importante mesmo é se esforçar para se reintegrar à sua realidade, e isto exige aceitação para assimilar as circunstâncias e dedicação pra seguir em frente sem olhar para trás.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Convictos e não convictos


Costumo dizer que gosto mais de um comunista convicto do que de um esquerdista de senso comum, daqueles que não têm muita certeza do que está defendendo. A pessoa convicta, por mais que esteja errada, está segura daquilo que faz e pensa, levando adiante seus objetivos. Talvez ela esteja completamente equivocada, mas isto o tempo dirá, e se tudo correr da forma esperada, alguma lição ela tirará daquilo.

Pessoas sem convicções, que não se posicionam sobre nada e apenas defendem a "tolerância", estão sempre sendo jogadas de um lado para o outro, como se não houvesse nada o que as prendessem em determinado lugar. Costumam ser pessoas maleáveis e, com todo respeito, manipuláveis. Obviamente elas discordarão disso, dirão que não são manipuláveis de forma alguma, mas sem perceber estão sendo tratadas como fantoches por aqueles que se posicionam firmemente e tentam atrair o máximo de pessoas possível para o seu lado.

Não é tarefa fácil encontrar pessoas com convicções claras hoje em dia, a cultura da "tolerância" se tornou um tipo de cultura da "intolerância", onde todos dizem que são tolerantes mas sempre que alguém se posiciona com um pouco mais de firmeza, esta pessoa é repudiada por querer "impor" sua opinião. Repare, o nível de "tolerância" chegou a um nível tão alto que dizer sua opinião sobre determinado assunto se tornou uma "intolerância", dá pra entender? É o mal da dose excessiva.

Seria ótimo não ter que se envolver em polêmicas, afinal de contas elas são exaustivas de uma forma ou de outra. Adotar uma postura isenta para assuntos delicados é sempre o caminho mais confortável, porém ele pode custar caro. O isentão sempre estará à deriva naquele maremoto de embates promovido por aqueles que defendem suas convicções. É como uma guerra: se você não defender suas fronteiras, muito possivelmente alguém poderá o atacar, por mais pacífico que você seja. Se no mundo inteiro houver uma pessoa não pacífica, você não poderá ser pacífico.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Hoje sei

E se esta existência não passar de um turbilhão de eventos aleatórios aos quais rogamos por clemência ao tempo que agonizamos na dúvida do que está por vir? Seríamos como Robinson Crusoé, isolados, apreensivos, sobrevivendo de acordo com as duras circunstâncias que se apresentam, incessantemente feridos pelas adversidades do acaso, eternamente sedentos pela completude que parece termos deixado ao aqui nascermos, como cavaleiros desertados, sem espadas e sem armaduras, incumbidos de explorar as terras mais inóspitas em busca de algo que nunca é encontrado.

Aventura, prazer, sensações, amor? Verdade? Talvez uma criança pudesse nos dizer. Curiosa criatura que nunca esvai suas energias, que se machuca, mas se recusa a sofrer, pois parece enxergar o que nós, brutamontes, não enxergamos. Enxergam a vida pulsando, veem a beleza estampada nas coisas mais simples, nas coisas mais despercebidas. Brilham, enquanto nós morremos, nós que andamos como seres vencidos, decadentes, cambaleantes, ingratos.

Somos ingratos, pois não sabemos pelo quê agradecer. Saberíamos, se nossos olhos não estivessem tão cheios de impurezas, ofuscando todos os canais que nos ligam a este e aquele mundo, ocupados com as mais deletérias frivolidades, aprisionados nem dentro e nem fora, pois que haveria muita beleza no mundo interior, assim como certamente há no mundo exterior, porém me parece que não estamos em lugar algum, que fomos arrancados de nossa natureza, que nos tornamos criaturas previamente pensadas por um ser tão viciado quanto nós mesmos, e não por aquele já consagrado por ser a origem de todas as coisas.

Estamos apalpando um nada, estamos idealizando a morte, não porque comprometemos a vida de nossos corpos, mas porque cultuamos a queda de nossas almas. Fugimos da essência e nos curvamos ao espetáculo, à utopia, à promessa de tudo aquilo que foge da realidade, às aparências da perfeição. Ora, não há maior animosidade do que negar os próprios grilhões e se lançar desprevenido às torrentes da falsa liberdade, eterno miserável é aquele que não conhece a si próprio, aquele impaciente que salta todas as etapas, que procura atalhos onde não há, que lança mão do caminhar sereno e sai a cantarolar conquistas que desdenhoso julga insuperáveis.

Oh, Deus. Se me desses a chance de voltar no tempo, se me permitisses reviver as pequenas tarefas às quais nada dediquei se não a mais insolente negligência, ignorância e torpeza de espírito. Sempre buscando os atalhos, os caminhos mais fáceis, o néctar insosso dos resultados sem merecimento, das ignóbeis trapaças que se disfarçavam com as honrarias da mais pérfida destreza de meus talentos, talentos que me deras para o bem, para que adornasse minha existência com a bela coroa da persistência laboriosa. Enganava-me, hoje sei.

Não há juiz mais severo que a consciência, e tu colocastes Senhor, em cada homem, o senso implacável daquilo que é bom e é belo, e mostrastes sem hesitar que mais vale um indigente honrado que um imperador corrompido, e por mais que tantos já o tenham repetido, ainda assim vale ressaltar vossas palavras, pois que a verdade é seiva eterna que nos anima a alma, e que não padece como as atribulações ruidosas de nossos tempos. Hoje sei.

quinta-feira, 16 de março de 2017

A morte da imaginação


Durante muito tempo o homem se acostumou a ser inspirado por lendas, estórias, mitos e outras narrativas que faziam da vida uma experiência um tanto estimulante. A cada fenômeno deste mundo a imaginação florescia: a chuva poderia ser um choro dos deuses, um vendavel o sopro de gigantes, um terremoto a agitação de um dragão que vive abaixo do solo.

As lendas e os contos de fadas maravilhavam as pessoas, assim como os milagres, fascinavam as crianças e as preparavam para os desafios da vida, sempre torneando a estória com o velho heroísmo medieval que transformava qualquer plebeu em um bravo titã, que vence seu medo e enfrenta as feras mais abomináveis que se pode imaginar.

Imerso neste mundo de maravilhas, o homem pintava a tela da vida com cores vivas, rechaçando a aridez do cotidiano e abrindo as portas para um mundo de infinitas possibilidades. O menino não queria ser um magnata, queria ser um herói, cheio de virtudes e consequentes honrarias, cheio de coragem e energia para fazer o bem, seja salvando uma princesa ou defendendo seu povo.

Não importa se tudo aquilo não estava de acordo com o método científico ou com os rebuscados modelos de experimentação modernos, como diria Roger Scruton: "O consolo de coisas imaginárias não é um consolo imaginário". A imaginação transformava a realidade e oferecia a qualquer pessoa a possibilidade de olhar os eventos de sua vida não como meras ações utilitárias, mas como verdadeiros episódios de uma narrativa épica capaz de inspirar gerações e mais gerações.

A popularização da ciência, não como ferramenta para fins específicos, mas como cultura e estilo de vida aplicado a todos, corta esta inclinação humana e transforma a jornada do homem na Terra numa mera conjuntura de ponderações materiais, objetivas e áridas, promovendo desenvolvimento econômico mas suplantando características naturais tão bem observadas em todas as civilizações.

Esvaziamos o homem, demos a ele o avião, o carro e a internet, mas tiramos dele um de seus bens mais importantes: a possibilidade de pensar além deste mundo, de se maravilhar com as coisas simples, e não apenas quando um foguete é lançado ao espaço. Ele usufrui da abundância material, ao tempo que se debate em miséria existencial, vagando por aí em busca de muletas que sustentem seu caminhar tosco e vacilante.

Ele vai ficando louco, não porque perdeu a razão, mas porque perdeu tudo, menos a razão. Do homem imaginativo de antes, nada sobrou, toda sua armadura de idéias foi descartada, levando-o ao deserto da mera investigação material e metodológica das coisas. Ele não enxerga mais a vida dos povos que habitam as profundezas da terra, nem o caminhar de gigantes que vivem além do horizonte, tudo foi registrado, catalogado, mecanizado, e então o homem se viu afogado num universo enciclopédico que fala sobre tudo, menos sobre ele mesmo.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Caos e resiliência

Fala-se que a infância é a melhor época desta vida. Há quem não concorde, mas é simples encontrar as razões que justificam tal afirmação. Ora, o que é a infância se não um breve sopro da mais amena condição de contemplação da existência, sublime apreciação das coisas mais leves da alma: alegria, inocência, amor. Uma concessão de paz para o ser que logo mais encontrará as amarguras da implacável realidade.

Ao se aproximar dos rudimentos da idade adulta, é preciso enrijecer os sentimentos, consolidar convicções, encontrar sentidos onde impera a confusão, encontrar consistência onde antes era tudo tão tênue. A criança dança, o adulto dita o ritmo. Contudo não se trata mais de um contemplativo concerto, e sim de uma exaustiva batalha, cheia de altos e baixos, vitórias e derrotas. Não somos mais leves dançarinos, mas sim bravos soldados, lutando na linha de frente, mantendo a retidão, e suportando o pesar dos ferimentos que incomodam o presente enquanto se misturam às ruínas fragmentadas do passado.

Há também quem não goste desta versão, preferem acreditar que a vida adulta pode ser leve como os passos de uma criança, basta mudarmos nosso estilo de vida, basta entrarmos em estados meditativos e evitarmos os devaneios mundanos que nos cercam, basta evitarmos este lado sombrio e violento que nos dita o ritmo. Esta é sem dúvida uma saída, mas questiono se não é um terrível equívoco, uma tentativa precipitada de se blindar ante as cargas impostas pela verdade.

Suspeito que há algo obscuro nas doutrinas da abstração, suspeito que há algo verdadeiramente divino nas mais dolorosas vicissitudes que nos são impostas, suspeito que a espada do combatente em punhos seja tão digna de veneração quanto o mais puro ato de desprendimento terreno. Seria o amor um nirvana budista, ou seria o amor um penoso levantar de cruz e respingar de sangue ao longo de uma íngrime caminhada? Se tudo é manifestação do amor, nada é manifestação do amor. Quiça o amor não seja esta coisa gratuita, e sim a mais escassa das raridades, onde não se chega se não pela mais ardorosa das conquistas, que nos afasta das mais miseráveis condições.

Aquele que esvazia a mente, talvez acabe esvaziando o coração. Aquele que se veste com a armadura e se prepara para a batalha, talvez entre em confusão, mas ao lapidar sua vastidão de paixões, tenderá a chegar ao verdadeiro Eldourado de um amor tangível, concreto, visto a olho nu, mas visto apenas por aqueles que reagiram às suas provas, aqueles que mativeram combatente vigília enquanto permaneciam resilientes, altivos, com os olhos fixos no horizonte que se descortinava a cada um de seus penosos passos.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Perdoe-me a violência

Não costumo ser assim, nem gosto de radicalismos, eis a postura que cega a razão e entorpece os sentidos. Mas os tempos não me permitiam outra posição. Bastava olhar de perto para ver que a situação era bem mais grave do que muitos diziam. Com economia não se brinca, vidas estavam em risco, e o trem já estava descarrilhado. Neste cenário, o justo deve se levantar, encher seus pulmões e brandar o óbvio, para que seus semelhantes despertem da inércia, antes que a situação se torne mais grave.

É ruim ver pessoas se afastando, é ruim ser mal interpretado. Vestir uma pele de cordeiro e dizer o que todos querem ouvir é uma escolha bem mais confortável, bem mais amena, e é por isso que muitos a adotam. Não é meu caso. O preço é alto, mas quero pagá-lo. Que minha imagem se perca, que todos me isolem, que a miséria despeje sobre mim sua aridez. Continuarei com a face levantada, crendo no que creio, e aguardando o descortinar da verdade.

Sei que parece arrogância, às vezes orgulho, mas o que é o maquinista tentando conter um trem descarrilhado se não um orgulhoso? Como diria Chesterton: suficiente humilde para espantar-se e suficiente orgulhoso para desafiar. Quem é brando demais, acaba na mão do implacável. Um toque de orgulho não é só bom, é necessário, preserva a existência e nos mantém vigilantes. Levante sua bandeira, ou siga a bandeira alheia.

Não obstante tudo há de ser moderado, e parece que já gastei muito do que tinha, preciso de uma pausa para arejar as idéias, para juntar os fragmentos, enxergar o que levarei e o que descartarei. Fazer o bom e velho balanço, conter a anarquia das paixões. É hora de lapidar, deixá-los em paz, e peço compreensão, pelos excessos daqui e dali. Não era maldade, talvez um pouco de desespero, mas não fui um incauto, fui sincero, fui honesto.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Abstrato e realidade

Você precisa descer daí. Não adianta ficar no alto da embriaguez do abstrato; quem muito pensa, pouco faz. A vida é perfeita porque é imperfeita, e se ajustar às suas imperfeições é um desafio sublime. Não raro é o mais sublime dos desafios.

A realidade é uma bigorna, ela nos prende e nos puxa para baixo, frustrando nossos sonhos de cruzar o horizonte, pelo menos por hora. Entretanto ela não é cruel, ela é sábia, ela nos prepara em direção ao momento certo, ferindo-nos hoje para que nos blindemos no amanhã.

Às vezes estamos cegos, apesar da certeza de estar visualizando tudo. Vemos tanto, não vemos nada. E aí a realidade nos agarra pelo pescoço, volta nossos olhos aos cadarços dos sapatos, ordena que visualizemos os detalhes do laço que até então dávamos como bem feitos. Ilusão. Tanto a se fazer por ali, pecamos.

Não dá pra saltar além dos limites, ou você constrói uma ponte, ou constrói uma canoa, só assim que se cruza um rio. Tentar pular não vai dar certo. Vai ser um problema. Você vai se molhar todo, vai se machucar, e levará um tempo para voltar à segurança da margem.

Outros vão te olhar esquisito, nem todos se molham, nem todos se arriscam. Não adianta tentar explicar a umidez de suas calças, de seu chapéu; para o seco, o molhado é um tolo. Mas ele é um tolo mesmo. Não sabe ficar quieto. Contudo não se faz fogo sem lenha, não se faz um sábio sem tolice.

Ser sábio é ser tolo, e emendo, ser tolo é requisito pétreo da sabedoria. E de sábio todo tolo tem um pouco. Sabedoria é se molhar todo, e depois secar tudo, pra depois molhar de novo. Só não fique se molhando o tempo todo no mesmo rio, pois neste caso não se trata mais de conhecer a sabedoria, mas de se eternizar na tolice.