segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Abstrato e realidade

Você precisa descer daí. Não adianta ficar no alto da embriaguez do abstrato; quem muito pensa, pouco faz. A vida é perfeita porque é imperfeita, e se ajustar às suas imperfeições é um desafio sublime. Não raro é o mais sublime dos desafios.

A realidade é uma bigorna, ela nos prende e nos puxa para baixo, frustrando nossos sonhos de cruzar o horizonte, pelo menos por hora. Entretanto ela não é cruel, ela é sábia, ela nos prepara em direção ao momento certo, ferindo-nos hoje para que nos blindemos no amanhã.

Às vezes estamos cegos, apesar da certeza de estar visualizando tudo. Vemos tanto, não vemos nada. E aí a realidade nos agarra pelo pescoço, volta nossos olhos aos cadarços dos sapatos, ordena que visualizemos os detalhes do laço que até então dávamos como bem feitos. Ilusão. Tanto a se fazer por ali, pecamos.

Não dá pra saltar além dos limites, ou você constrói uma ponte, ou constrói uma canoa, só assim que se cruza um rio. Tentar pular não vai dar certo. Vai ser um problema. Você vai se molhar todo, vai se machucar, e levará um tempo para voltar à segurança da margem.

Outros vão te olhar esquisito, nem todos se molham, nem todos se arriscam. Não adianta tentar explicar a umidez de suas calças, de seu chapéu; para o seco, o molhado é um tolo. Mas ele é um tolo mesmo. Não sabe ficar quieto. Contudo não se faz fogo sem lenha, não se faz um sábio sem tolice.

Ser sábio é ser tolo, e emendo, ser tolo é requisito pétreo da sabedoria. E de sábio todo tolo tem um pouco. Sabedoria é se molhar todo, e depois secar tudo, pra depois molhar de novo. Só não fique se molhando o tempo todo no mesmo rio, pois neste caso não se trata mais de conhecer a sabedoria, mas de se eternizar na tolice.

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