quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A Educação na Escócia.

Quase todas as semanas aqui em Corbenic um grupo de residentes (pessoas especiais) sai para nadar em uma escola na cidade de Aberfeldy, cerca de vinte minutos de carro. Da minha casa, só dois dos seis residentes gostam de nadar e se juntam ao grupo todas as sextas. Como eu gosto de nadar, todas as reuniões de co-worker peço para me colocarem no grupo, geralmente só vão dois co-workers e mais uma pessoa mais velha, geralmente algum houseparent que dirige a van, é o suficiente para cuidar de cinco a oito residentes. É muito divertido nadar com eles, acho que poderia ir umas 3 vezes por semana que nunca cansaria. Porém o que me atrai mais nesse passeio não é o trabalho em si, mas sim o lugar que vamos nadar, uma escola, uma simples escola pública que apesar de ser apenas uma escola, fala muito sobre a Escócia, o Reino Unido, e diversos países de primeiro mundo que sabem que educação deve ser sempre a prioridade.

Antes de ir pela primeira vez nesse programa, pensei: “Bom, provavelmente vamos para alguma piscina pública, num lugar fechado, vai ter várias crianças, um escorregador e muita alegria”. Porém eu estava errado, depois dos 20 minutos na van, chegamos ao “Breadalbane Community Campus”, pela aparência e pelo nome, achei logo que era uma Faculdade, mas não, era uma escola mesmo, de crianças e adolescentes. Uma fachada incrível com visão direta para uma super biblioteca rodeada por vidraças, aberta ao público, impecável. Na entrada uma recepção que dá vontade de ter um compromisso só para sentar e ficar lá esperando, portas automáticas com sensores digitais de alta segurança, camêras por toda parte, tecnologia transbordando por todos os lugares. Limpeza invejável, nenhum sinal de sujeira, objetos danificados ou vandalizados, tudo brilhando, como se tivesse alguém vigiando o dia inteiro.

Quanto mais eu andava, mais eu sentia inveja do que essas pessoas têm, armários individuais e conservados para todos os alunos, bebedouros por toda parte, torneiras com sabonete líquido convidando os estudantes a lavarem as mãos todas as horas, uniformes elegantes, de gravata, homens e mulheres, dando a impressão que são pequenos adultos, já cheios de responsabilidades para com sua família e seu país. Banheiros perfeitos, com direito até a secador de cabelo fixo para quem quiser. Refeitório, aaah o refeitório, que excelência, que higiene, mesas grandes, bancos de cores diferentes e design moderno, televisões de plasma ligadas nos noticiários por todos os cantos, funcionários da zeladoria mantendo tudo em ordem, respeitando os estudantes, de bom-humor, e também sendo bem tratados, como assim deve ser. Grande espaço externo repleto de crianças felizes, cada grupo com uma brincadeira diferente, a maioria com bolas, e cada um tem uma se quiser, não precisa ninguém ficar brigando.

Voltando ao meu trabalho, passamos da entrada da recepção e caminhamos num corredor muito bacana, tinha uma parede com rapel e várias quadras de squash, perfeitas e bem cuidadas, parei um pouco para ver o que tinha nos murais, geralmente você descobre muito sobre uma escola através de seus murais com eventos, campanhas, fotos etc. Fiquei impressionado com o quanto os escocêses estão preocupados com a consciência ecológica da população, já estava surpreso antes de conhecer a escola, depois de ver os murais só confirmei tudo que pensei. Aqui a ecologia também está na moda, graças a Deus, percebe-se a atenção que eles estão tendo com este assunto, principalmente na educação básica das crianças. São fotos de atividades de preservação da natureza, instruções ecologicamente corretas, lembretes, informações essenciais, tudo lembrando o aluno da importância deste assunto, como se tudo girasse ao redor da “preservação da natureza”.

Depois de passar pelo corredor, entramos no vestiário, nem preciso dizer que também é impecável, trocamos de roupa e fomos para a piscina, quando eu cheguei na borda e vi aquilo, não me controlei, a inveja foi grande, pois gosto de nadar, e daria tudo por uma piscina daquela, por um lugar tranquilo para nadar como aquele. Fiquei imaginando se eu tivesse estudado numa escola como essa, acho que com certeza investiria na carreira da natação, pois só não fiz isso porque o sofrimento é grande para esse objetivo em Fortaleza, a única piscina olímpica que conheço é a do Náutico e sempre tá lotada, meio suja e você tem que dividir a raia com duas ou três pessoas. Quando entrei na piscina nem consegui cuidar direito dos meus residentes, minha cabeça começou a esquentar de tantas reflexões frente àquela situação. Pensei nas escolas que estudei, na escola que meu filho vai estudar, no que meu país oferece e porque oferece desse jeito, senti raiva dos políticos e da educação gananciosa e capitalista que só pensa no vestibular.

Aquele momento na piscina me fez pensar em muita coisa, principalmente na importância que eles dão à educação, muito além que eu imaginava, é algo que fica na cara que é a prioridade do estado, fica na cara que está sendo investido uma boa parcela do PIB ali. O país investe pesado, eles sabem que tudo vai funcionar com base na educação de seu povo, por isso não deixa faltar nada para que suas crianças cresçam com todo o amparo necessário para desenvolverem todo seu potencial. Em nosso país, quantos garotos deixam de seguir um sonho porque não tem a mínima condição, às vezes eles só precisam de uma chuteira nova para tentar jogar futebol, talvez a chuteira seja 30 reais, mas eles não têm dinheiro, enquando isso em Brasília tem um político safado pagando 100 reais num whisky, 100 reais que o pai do garoto gastou em impostos para ter educação de qualidade, para ter uma escola capaz de apoiá-lo em todos os seus sonhos.

Semana passada comentei durante o jantar com minha housemother, estamos falando das situações sociais do Brasil e da Europa, logo entramos no assunto educação, algo que é inevitável não deixar de falar, ela disse que algumas escolas na Escócia não são boas e não colocaria os filhos dela, logo pensei comigo mesmo: “Nossa, essa pessoa não tem noção do que é uma escola ruim, vou levá-la para um passeio no interior do Norte e Nordeste do Brasil”. Mas é claro que não falei disso, só comentei sobre a escola de Aberfeldy e disse que gostei muito do que vi. Outro dia eu estava lendo o jornal, uma reportagem sobre educação, li que mais de 86% dos pais escocêses estão satisfeitos com a educação que seus filhos recebem na escola, 86%! Que inveja, eu gostaria de um dia falar: “Eu estou muito satisfeito com a escola do meu filho”, ela sendo pública é claro. Fiquei imaginando nesse futuro, perguntei-me se quando eu tiver filhos, alguém no Brasil vai ter vergonha na cara e vai mandar construir uma escola pública de primeiro mundo. Talvez quando Cristovam Buarque virar presidente.

Cada dia essa tal de corrupção me dá mais tristeza. Maldita geração de velhotes desumanos, espero que todos desencarnem logo para prestar contas frente à justiça divina, precisam pagar pela má administração de seus poderes. É isso ai, aqui na Escócia existe uma cidadezinha chamada Aberfeldy, muito simpática por sinal, as casas são demais, na verdade a maioria das casas no Reino Unido são demais, e nessa cidade existe uma escola que vou lembrar por muito tempo, inclusive esta semana vou lá de novo, ah, esqueci de falar, a escola não tem NENHUMA grade, NENHUMA! Ouviram arquitetos de escolas do Brasil?! Pensem nisso na próxima vez que forem projetar uma escola para humanos ao invés de animais. Vamos lá, vamos estudar para um dia mudar nosso país para melhor. Saudações!















terça-feira, 20 de setembro de 2011

O Espiritismo em minha vida

Desde criança sempre fui muito atraído pelas perguntas que os adultos nunca respondiam direito, questionava principalmente a respeito da morte e do que existe além do que meus olhos podiam ver. Quando ouvia a professora falar sobre “ir para o céu”, aquilo não fazia nenhum sentido para mim, pois apesar de ainda não ter noção científica da composição celeste, algo me dava a certeza que o conceito de morar no céu não tinha pé nem cabeça. Como minha infância foi no Colégio Batista, sempre tive apresentações de estorinhas bíblicas e aulas de religião, adorava ganhar a pequena bibliazinha “de graça”, mas não tinha conhecimento suficiente para interpretar sua difícil linguagem, cheio de parábolas e entrelinhas.
Episódios bíblicos como de “Adão e Eva”, “A Arca de Noé”, e até mesmo a ressurreição de Jesus Cristo nunca me entravam na cabeça, o que me trazia até um sentimento estranho, pois enquanto todas as outras crianças assimilavam e aceitavam aquelas estórias, talvez por um já convívio bíblico em suas famílias (coisa que não tive pois meus pais são espíritas), eu estava sempre desconfiado. O tempo foi passando e um turbilhão de perguntas iam aparecendo a todo momento, e como meus pais, apesar de terem um amplo conhecimento sobre espiritismo, nunca vieram até mim para conversar a respeito, eu fui perdendo minha fé, acreditando na ciência materialista e deixando de lado qualquer conhecimento espiritual.
Assim, durante a adolescência, vesti-me com uma mentalidade materialista e antropocêntrica, fazendo com que paixões superficiais me conduzissem a um mundo restrito, triste e infeliz, onde a vaidade, o orgulho e a intolerância reinavam, onde as ideias eram confusas e as mágoas eram constantes. Depositava meu tempo em futebol, jogos de video-game e computador, brincadeiras infantis e sem sentido. Comecei a perder o interesse pela busca do conhecimento, sala de aula era algo que não fazia mais sentido, o importante era “aproveitar”, rir, desrespeitar os limites e fazer de cada dia “como se fosse o último” (um dos pensamentos mais ridículos que esta humanidade materialista inventou como desculpa para viver seus vícios e paixões abomináveis). A minha maior manifestação espiritual era admitir com dificuldade a existência de Deus, e orar em momentos desesperados de tristeza onde não tinha ninguém para recorrer, fazendo com que uma voz desconhecida me alertasse que eu não estava sozinho.
A vida materialista é totalmente irracional, uma montanha-russa de sentimentos incompatíveis, ilusões arrebatantes e conceitos equivocados, e isso é um campo minado para qualquer ser humano, por isso que os materialistas geralmente são os mais viciados, pois sem fé, buscam no bem-estar da droga (de qualquer tipo), sua “reenergização”. Afogam-se na bebida, no cigarro, no sexo obsessivo, no consumo excessivo de carnes e gorduras (doces inclusive) e se tornam seres em completo desespero íntimo, muitas vezes disfarçado pelo belo carro, a roupa de marca, a falsa alegria e todas as articulações de aparências necessárias para manter uma posição soberana na sociedade, sem que seu abismo espiritual seja reconhecido. Em minha adolescência eu estava caminhando nesta direção, da mesma maneira que a maioria dos jovens também caminhavam, não tinha força nem conhecimento para dizer “não” aos impulsos de uma juventude mal criada pela pífia educação capitalista e gananciosa de nosso Brasil.
E cada dia passava e mais sensações ruins eu experimentava, e toda vez que batia o desespero aquelas perguntas sobre a vida e os motivos de tudo vinha à tona e me deixavam mais sem caminho ainda. A tristeza de não saber de onde venho, para onde vou, que planeta é este, o que devo fazer e por que devo fazer, isso começou a me deixar cada vez mais pra baixo, até que certa vez aos 17 anos perdi o controle totalmente, lembro que foi numa quarta-feira, o vazio da falta de respostas me fez sentar e parar por horas e minha constante alegria foi tomada pelo silêncio e angústia interior. Meus pensamentos estavam sendo marcados por um divisor de águas, esse me falava que eu tinha que parar e buscar as respostas o mais rápido possível, não era aceitável continuar daquela maneira. Até que depois de 2 dias, numa sexta-feira, fui até a sala completamente desolado e comecei a questionar meu pai sobre o que ele acreditava detalhadamente, pois sempre tive ideia dos conceitos espíritas, mas não em detalhes, não lembro o que ele falou, mas aquilo me confortou muito, não o suficiente para levantar, mas me deu uma pequena esperança.
Essa pequena esperança me deixou sentado no tapete da sala pensando e vendo a televisão sem prestar atenção, e esse foi o fator que me despertou totalmente, pois nessa hora de iluminação a novela das oito estava terminando e o Globo Repórter começando, sempre gostei desse programa e já estava esperando as reportagens sobre lugares exóticos do planeta, alimentação e coisas desse tipo, porém o programa daquela noite não era sobre nada disso. Como se tudo tivesse sido projetado antes de acontecer, naquela sexta-feita a noite, logo após dois dias de crise existencial e uma conversa sobre espiritismo com meu pai, o programa tratava de “Vida após a morte”, uma série de reportagens com pessoas praticantes de espiritismo e principalmente pacientes que tiveram “Experiência de quase morte”, relatando o que viram e tudo que aconteceu.
Naquela noite acontecia um grande marco na minha vida, como se eu estivesse sendo chamado para voltar a natureza de meu espírito, natureza da bondade, da paz, do amor e do desapego. Nunca assisti televisão tão concentrado, aquele programa, juntamente com a conversa com meu pai, foi uma revolução de pensamentos e inspirações para o que eu faria dali para a frente, as imagens, os relatos, os fatos me abriram os olhos para ver que algo mais existia, e minhas respostas seriam respondidas logo logo. A partir dai comecei a ler mais sobre filosofia, religiões de todas as partes do mundo e principalmente o “Livro dos Espíritos”, esse último foi o livro mais rápido que li em minha vida, consumi ele como um faminto que senta frente ao prato de comida. Aquilo tudo fazia sentido, minhas respostas estavam ali sem nenhum conflito, como se eu já conhecesse aquelas ideias de algum passado, como se eu apenas estivesse sendo relembrado de quem realmente sou e quais leis sigo.
A chegada da fé espírita é um choque para os conceitos materialistas, pois é totalmente o oposto deles, fazendo com que o recém espírita tenha sua vida girada de cabeça pra baixo, ou melhor, tendo sua vida girada de cabeça pra cima, como assim deve ser. Com o espiritismo, a realidade da reencarnação, das outras dimensões, dos outros planetas, da hierarquia espiritual e de quase todas as respostas, fazem com que a vida tome um rumo completamente diferente, tendo o espírita uma nova visão sobre tudo, intepretações seguras e soluções rápidas, inspiração pela eterna busca de conhecimento, desenvolvimento das virtudes cristãs já conhecidas, uma enorme força de perseverança, disciplina e inevitável crescimento intelectual.
E foi isso que vivi nos últimos dois anos, período esse que li diversas obras espíritas (mesmo sabendo que não é nada frente ao grande acervo existente), e mudei totalmente minha conduta, tornei-me compreensivo, paciente, forte, parei de buscar atalhos e valorizei o suor de cada dia, eliminei vícios e paixões estúpidas, purifiquei meus pensamentos, aposentei palavras como “ódio” em qualquer hipótese. Cresci de uma maneira que nunca vi antes, depois de uma adolescência estagnada na mediocridade, agora recupero o tempo perdido, felizmente acho que já recuperei, e agora já comecei a lucrar, ganhar tempo. Para ser sincero, eu precisaria de uns cinco parágrafos para descrever todas as mudanças radicais que a visão espírita trouxe a minha vida. Hoje sou bem melhor, e essa melhoria é que me fez realizar o recente sonho de vir morar no exterior por minha conta, agora estou escrevendo sentado no sofá vermelho de uma bela casa no meio das montanhas da Escócia, aprendendo uma chusma de coisas novas todos os dias, praticando a caridade que tanto o espiritismo tem me aconselhado, corretamente é claro, pois realmente a caridade nos traz um prazer imensurável.
Creio que se eu tivesse vindo um ano antes, como tentei vir, eu não estaria tão bem como estou agora, pois foi no último ano que realmente aprofundei meus estudos espíritas e criei toda a base humana para cuidar do tipo de pessoas que cuido aqui. Se eu podesse continuaria escrevendo mais e mais sobre o espiritismo, porém o texto já está enorme e está na hora de parar. Só agradeço a Deus por ter me dado oportunidade de conhecer a doutrina, por ter me colocado numa família iluminada, por ter nascido em Minas, terra de Chico Xavier, e crescido no Ceará, terra de Bezerra de Menezes. Ainda trabalharei muito pelo espiritismo, já tenho planos para quando chegar ao Brasil, e servirei incansavelmente para agradecer o que Deus tem me dado. Que felicidade tenho hoje de entender a história, a natureza e até compreender que para algumas coisas ainda está cedo para entender, que felicidade de ter Deus e meus espíritos protetores, de ter o conhecimento necessário para uma vida plena e prazerosa, hoje entendo onde está a real felicidade, e assim posso trabalhar focado por ela. Que energia estou de estudar, trabalhar, crescer, casar, ter filhos, cuidar de uma casa, ajudar o próximo, abraçar os que aparecem em meu caminho, que energia estou para viver. Obrigado senhor, e para você que leu esse texto, muita paz, pois é isso que precisamos.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A Matriz


Eu sonhei com a chuva
Com o cheiro da liberdade
Do caminhar sereno
Da busca da verdade

Pisei firme e olhei para cima
Esqueci o tempo e respirei
Abri os braços de repente
Aquilo tudo abracei

Minha mala está tão leve
Que o mundo caberia
Mas se quero voar mais
Manterei ela vazia

Vazia de rancôr
Vazia de tristeza
Levo só a minha paz
A matriz da minha riqueza

Você pode até tentar
Reclamar e apontar
Mas se depender de mim
Nada vai adiantar

Busco agora o complemento
De tudo que construí
Mas não falta paciência
Até a hora de agir

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Segundo mês na Escócia

Mais um mês completo neste 12 de setembro, agora são dois. Nesses dois meses de Escócia e Camphill tive experiências bem diferentes e interessantes, a cada dia algo novo. Nos trabalhos externos alimentei animais, colhi bosta de cavalos, construi um armazem para ovelhas, fiz chá, vi filhotes de patos e galinhas nascerem, misturei ração, abri caminho e limpei a mata, cortei grama, derrubei coluna de concreto, cortei lenha, fiz fogueiras gigantescas, fiz mais chá, cansei de usar o carrinho de mão, limpei estradas, reciclei toneladas de lixo, coletei ovos e mais um monte de coisa que eu nem sei explicar em português.


Em casa cozinhei, arrumei camas, troquei lençois, limpei banheiros, dei remédios, imobilizei ataques de residentes descontrolados, fiz chá novamente, botei a mesa, arrumei a lavanderia, lavei roupa, dobrei roupa, lavei a louça, passei o aspirador de pó, fiz chá, troquei carpete, dei banho e mais um tanto de coisa. Nos passeios fui em castelos, jardins, trilhas belíssimas, cachoeiras, montanhas, vilas medievais, parei pra tomar chá, nadei em piscinas,joguei futebol, cricket, fui em festival internacional de hipismo, Higland Games, Festival de Edimburgo, cinema, compras, um monte de cafeteria e mais coisas que não lembro.
Conheci gente da Alemanha, Japão, Coréia, Hungria, Canadá, República Checa, Dinamarca, Índia, Inglaterra, entre outros. Comi um monte de coisa diferente. Convivi com autistas, portatores de down, esquizofrênicos, epiléticos, imperativos, retardados, dementes etc. Aprendi a lidar com todos os tipos de pessoas e situações, manter a tranquilidade, observar com atenção, discernir e esperar o momento certo de agir. Senti o prazer da liberdade, de andar por ai sozinho sem ter que me preocupar com nada, sentindo o prazer de usufruir o merecido dia de folga.
Melhorei meu inglês e a cada dia melhoro mais, sentindo-me em casa mesmo estando longe dela. Aprendi a cuidar de mim mesmo em todos os aspectos que ainda faltavam e a vida de família não me encorajava a desenvolver. Fiz amizades sensacionais, de pessoas preocupadas com meu bem-estar e sinceras, sem querer absolutamente nada em troca, mesmo que eu retribua o máximo que eu possa. Sou apaixonado pelos meus residentes, tenho prazer em ajudá-los todos os dias com tudo que precisam, de abraçá-los e cair sempre nos risos, e em alguns momentos nem isso é necessário, basta observá-los para que eu possa suspirar de alegria ao estar vivendo essa oportunidade.
Aprendi a viver com o necessário, a como deixar meu espírito mais leve do que já era. Aprendi que mesmo que eu queira ter uma vida disciplinada e equilibrada vai sempre aparecer alguém batendo na minha porta depois das 22 horas me chamando pra pegar a estrada e ir pra uma balada em alguma cidade próxima. Aprendi, aprendi, aprendi muitas coisas, a vida não para, essa experiência é fantástica, em alguns momentos dá uma canseira e dá vontade de voltar pra casa pra ver a família, mas isso passa rápido. Como eu queria que algumas pessoas que tenho afeição vivessem um pouco disso aqui para deixarem alguns pensamentos primitivos de lado e abrirem a cabeça para a verdadeira felicidade.
Abraços família e amigos, vou indo dormir pois amanhã vou cedo para Edimburgo, vou passar o dia lá curtindo minha folga com duas alemãs aqui do Camphill. Tentem me visitar, estou de portas abertas aqui, quem quiser uma pequena experiência de teste cuidando de pessoas especiais também pode. Mãe, manda mais pulseirinhas do Brasil porque aquelas que eu trouxe acabaram, o pessoal adora e tá fazendo o maior sucesso. Acho que vou cortar meu cabelo, tá enchendo o saco, principalmente agora com a ventania do Outono, hoje ventou de um jeito aqui que eu nunca vi na vida, o pior é que eu sai de bermuda e todo mundo ficou me olhando como se eu fosse louco. Sempre falo que “tenho que aproveitar o frio” porque na minha cidade é só verão o ano inteiro. O meu colega alemão aqui passa o dia me xingando porque diz que tem inveja da minha vida de sol, rede, água de coco e praia “branca”. É isso ai, até mais!

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O homem do terceiro milênio


Como é a vida de um homem? Naturalmente ele nasce, passa pela infância, adolescência, juventude, idade adulta, velhice e morte. Quando criança ele é dependente, sabe pouco, anda com dificuldade, não entende sobre quase nada, fica jogado à sorte de ter um bom amparo materno. Na adolescência ele começa a amadurecer, entender de algo, achar que sabe muito, eleva o orgulho, por vezes tem vergonha de seus pais, torna-se vaidoso, procura valor onde não existe, vive de aparências e está mais interessado em experimentar tudo que vê pela frente.

Na juventude ele alcança uma maior maturidade, mantém vários males da adolescência, mas no geral se torna mais entendedor sobre tudo que acontece ao seu redor, é mais seguro, mais independente, compreensivo, mas ainda sujeito aos desequilíbrios e paixões ainda presentes desde a infância. Procura suas limitações, arrisca muito sem motivo e tenta viver como se cada dia fosse o último, até descobrir que esse é um pensamento tolo e equivocado.

Após a juventude o homem chega à idade adulta, a mais longa de todas, onde ele vai finalmente perceber os pontos importantes da vida, os pequenos prazeres, os atalhos para conquistar sua paz, amar sua família e rir de seu passado infantilizado. Vai buscar se espiritualizar, falar com Deus, procurar respostas para seu futuro além da vida e desenvolver todas as suas virtudes antes rejeitadas por ocupações mórbidas da adolescência. É a passagem mais dourada de sua vida, onde cedo ou tarde a luz aparecerá.

Finalmente na velhice, ele vai refletir sobre tudo que fez em sua vida, olhar para trás e apurar todos os seus erros e acertos, e a partir disso terá seus últimos anos de paz ou angústia, e no caso da primeira opção, sentirá uma felicidade imensa de missão completa, consagrada na calmaria de sua desencarnação. Essa é a vida do homem individual, mas o que tem isso a ver com a visão de terceiro milênio? Bom, imagine que a história da humanidade é dividida na mesma forma, em qual fase você a encaixaria?

O homem está exatamente no momento de transição entre a juventude do segundo milênio e a idade adulta do terceiro, está sofrendo um grande conflito de ideias, como se todos os seus erros estivessem sendo jogados na cara, como um pai que invade o quarto do filho de 24 anos e diz olho no olho todos os seu erros desde quando se tornou independente aos 18 anos. O pai não aguenta mais a infantilidade do filho, que insiste em não amadurecer, e é essa pressão que vai fazer o filho refletir sobre seu passado e começar a mudar.

Durante sua juventude, a humanidade desenvolveu a ciência, experimentou milhões de possibilidades, virou noites fazendo novas descobertas, alavancou o progresso material, tornou-se dona da verdade, esqueceu de seus pais, saiu por ai com a mochila nas costas, conquistou e conectou o mundo, gerou conflitos imbecis, deixou sujeira por onde passou na ânsia de querer andar logo etc. A humanidade se tornou um jovem experiente, vivido e orgulhoso, que mesmo depois de ter feito tanto, ainda não consegue ser feliz, não entende, sente um vazio, está triste, explodindo aos poucos.
Eis que o pai da humanidade percebe o momento de agir, derruba a porta do quarto, levanta o dedo e diz tudo que deve ser corrigido, para que a vida se renove e o tolo jovem dê início à idade adulta. O jovem orgulhoso ainda está aceitando aos poucos os alarmes de seu pai, tentando se convencer se é esse mesmo o caminho, isso gerará conflitos em seu psicológico, mas aos poucos ele vai entendendo o que seu pai quer dizer. Está na hora de olhar para trás e limpar a sujeira deixada, está na hora de deixar o orgulho e desenvolver a humildade frente a tudo que um dia esnobou.

O homem do terceiro milênio vai pisar no freio e refletir sobre todos os seus erros na corrida da juventude até aqui, vai discernir e apurar, meditar e planejar, perceber o quão pequeno é e se espiritualizar, amará a natureza, os animais, os detalhes e tudo aquilo que não deu valor antes. Vai olhar o que fez e sentir uma lágrima escorrendo em sua face, vai ficar de joelhos. Porém esse homem vai levantar mais forte, seguro, sereno e sábio, pronto para buscar a felicidade como deve ser.

Vai abandonar as grandes cidades e lutar pela ecologia. Vai buscar a alimentação natural sem o sacrifício de animais. Vai buscar as curas também naturais e aposentar as drogas pesadas. Vai refletir sobre seus vícios e seus comportamentos equivocados. Vai entender os verdadeiros prazeres da vida e deixar de se iludir com as alegorias materiais. Vai buscar a sabedoria acima de qualquer outro bem. E aqueles que não forem capazes de se adaptar às novas leis da Terra, serão devidamente excluídos para um lugar de seu nível.

A transição já começou, foi dada a largada no início da década de 90, eu nasci em 92 e sei que minha geração possui mentes devidamente selecionadas para operar este delicado momento, você que nasceu nessa mesma época não perde por esperar, temos uma grande responsabilidade pela frente. O pai está na porta apontando o dedo, e o filho frustrado já começou a interpretar a situação e agir aos poucos.

Alimentação no Camphill


Apesar de não ser um assunto que eu gosto muito, vou escrever sobre minha alimentação aqui, afinal minha família é obsessiva por questões gastrônomicas, então vou satisfazer o desejo deles e falar um pouco sobre comida. Aqui no camphill nós temos 3 refeições por dia, café da manhã, almoço e jantar, e dois intervalos durante a manhã e a tarde, os chamados “tea break”, intervalo para o chá. De manhã a mesa é composta por muitas torradas de pão integral, biscoitinhos sem gosto pra comer com manteiga, uma espécie de “cracker”, um cereal horrível que mais parece a ração dos patos da fazenda, um delicioso leite fresco deixado na porta toda manhã, manteiga, café, infinitos bules de chá, uma vasilha grande de frutas (geralmente maçã, laranja e banana) picadas mergulhadas em iorgute. O resto são coisinhas que variam que não preciso contar.


Aqui como muitas frutas de manhã, proveniente da vasilha de frutas com iorgute, inclusive foi uma maneira muito boa que caiu para mim de comer frutas, pois antes comia e não tinha muito prazer, a ideia de afogar as frutas numa piscina de iorgute melhorou 100%, fica realmente delicioso. Geralmente os residentes comem as frutas junto com o cereal de pato e o leite, como eu não gosto do cereal, fico só com as frutas. Depois que encho a tampa de frutas, completo com uma ou duas torradas com manteiga, de manhã não há muitas opções além de manteiga para passar nas torradas, ou melhor, lembrei agora das geléias e um tipo de néctar que parece mel que eles adoram, como eu não gosto de geléia, fico só com a minha manteiguinha mesmo. Tomo um copo de leite ou chá e isso é tudo, energia suficiente pra começar o trabalho lá fora.


Durante o trabalho da manhã nós temos um “tea break” às 11:00, todos param e preparam uma mesinha, uma espécie de lanche, alguém pega a cesta e vai na padaria pegar pães fresquinhos. Já falei que aqui tem uma padaria, inclusive fica logo abaixo do meu quarto, o cheiro é fantástico. Geralmente nesse “tea break” eu tomo uma caneca de leite e como os pães com manteiga e chocolate “spread”(é igual a Nuttela, mas é outra marca), se acabar os pães e eu ainda tiver com fome, como aqueles biscoitinhos sem gosto com manteiga. Finalizado o lanchinho voltamos ao trabalho às 11:30.


O trabalho da manhã termina 12:30 e todos se recolhem para a hora do almoço que deve ser 13:00, geralmente eu chego do trabalho e ajudo a pôr a mesa. O cardápio do almoço é bem variado, pois sempre depende de quem está cozinhando e da vontade dos residentes. Toda segunda feira tem uma “house meeting”, uma reunião da casa onde a housemother pergunta para cada residente o que eles querem comer, alguns sempre dizem a mesma coisa, outros nem dizem, outros pedem coisas absurdas, mas no final sempre damos um jeito de interpretar o desejo deles. Na última segunda-feira uma das residentes falou que queria “a lot of eggs”, ou seja, muitos ovos, resultado, o prato de hoje foi ovos cozidos mergulhados num molho, estava bom, gostei.


Essa reunião sobre comida é um pouco engraçada, nós perguntamos o que cada um quer comer e algumas respostas são interessante, tipo: “Andar de ônibus!”, “Jogar boliche!”, “Sanduíche com muito catchup!”, “MACARRÃO!”, “BATATINHAS!”, “PIIIZZAAAAAAAAAA!”, entre outros. Geralmente não temos carne no almoço, principalmente porque a housemother é vegetariana. Como eu também estou tentando ser, tudo bem, posso contar nos dedos as vezes que comi carne aqui desde que cheguei. Aqui tem muitas opções para quem não come carne, e pra falar a verdade eles nem comem tanto, o vegetarianismo aqui já está bem avançado, algo normal para um país de primeiro mundo como a Escócia e tendência para as próximas décadas da humanidade. O mais interessante é que vejo mais jovens vegetarianos que adultos, interessante não? Jovens criados em famílias carnívoras que se tornam vegetarianos subitamente. Ontem a secretária aqui do Camphill estava me contando que a filha dela de 17 anos virou vegetariana esse ano. Imagine no futuro, vai ter criança nascendo com vontade de vomitar ao ver carne.


Bom, como eu dizia, o cardápio varia muito, eles comem muitas batatas aqui, salada nunca pode faltar, como muita salada inclusive, sopa, pizza, cogumelos, huum, uma coisa que viciei aqui foram esse cogumelos, putz muito bom, principalmente com um molho lá que eles fazem todo sábado. Macarrão, diferentes tipos de tortas vegetarianas, peixe, toda sexta-feira é dia do peixe, mas eu também tô evitando peixe, última sexta nem comi. Pois é, não consigo dar muitos detalhes sobre a comida do almoço, é comida normal de acordo com o que os residentes querem, só tenho que destacar a variedade mesmo, todo dia é algo diferente. Ah, esqueci do suco, todo o almoço tem suco de maçã, na verdade é um concentrado de suco de maçã, eles só botam na jarra e enchem de água, é bonzinho.


Depois do almoço temos novo “tea break” no intervalo do trabalho da tarde, dessa vez não temos pães, temos biscoitos, toda tarde tem biscoitos de variados tipos saindo fresquinhos da padaria, porém são todos daqueles tipo integrais que você tem que se adaptar, no começo eu quase não comia nenhum, agora já tenho uns favoritos, tem uns que eu nem chego perto, tem outros que gosto bastante. Comemos biscoitos com chá ou suco e é só, esse “tea break” da tarde é bacana, porque é na fazenda, a céu aberto, com os animais circulando a mesa e os residentes fazendo maluquices.


O trabalho da tarde acaba às 5:30 e eu vou pra casa, tomo um banho ligeiro em menos de dez minutos e corro para a cozinha para ajudar a pôr a mesa do jantar, geralmente são duas pessoas, eu e outro, e os residentes ajudando um pouquinho. Esse jantar não é bem um jantar, é “supper”, é tipo um lanchão, com diferentes queijos, salames, patês, azeitonas, torradas, frutas, ovos mexidos, atum etc. Tudo que tiver na geladeira entra na “supper”, é a última refeição do dia. Eu, geralmente, como torradas com manteiga, queijo e “egg spread” (ovos cozidos misturados com maionese, fica pastoso e você passa na torrada, é muito bom”. Mas a “supper” também varia muito todos os dias, porque depende do que tiver disponível, a única coisa que não varia é o chá, sempre cheio de chá pela mesa, só para você ter noção, tem um armário na cozinha só para chá, cheio de caixas com difernetes tipos, deve ter chá até de outros planetas se duvidar.


Essa é alimentação do cotidiano, no final de semana tem umas variadas, sábado é totalmente diferente, por exemplo, mas esse texto ficaria muito longo, então vou parar por aqui. Nas primeiras semanas tive um pouco de dificuldade para me adaptar a comida, parecia tão pouquinho aquelas torradinhas, biscoitinhos sem gosto, suquinho de concentrado, mas ai aprendi a buscar os atalhos, fazer as combinações e hoje estou me alimentando muito bem, inclusive nunca me senti tão saudável, minha pele também melhorou ao parar totalmente de comer carne, esqueci de dizer que as comidas aqui são 100% orgânica, na verdade tudo aqui é orgânico, ecologicamente correto, blábláblá, acho que é um lugar padrão ecologicamente falando, a vida aqui é muito boa, água de primeira qualidade direto da fonte, comida nem se fala, ar puro, quanto voltar pra cidade a minha meta é ter dinheiro para um dia me mudar bem para uma casa, em lugar aberto, morar comprimido em cidade é a coisa mais tola que o homem inventou. Abraços!