quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Se você abrir muito a cabeça, o cérebro pode cair para fora

Estou retornando à minha casa à noite quando passo por um desses grafites urbanos com frases de efeito. Neste, um menino negro tem um balão de diálogo que diz: "O impossível é uma questão de opinião". Como sou desses que gosta de ficar filosofando sozinho no carro, começo a refletir sobre a frase e pensar nas suas consequências cognitivas.

É muito comum em nossos tempos frases de efeito que nos convidam a um certo comportamento questionador, sempre nos incitando a destruir os limites da vida, como se isso nos conduzisse a níveis mais elevados de compreensão e nos diferenciasse das "massas alienadas que estão sempre seguindo padrões". É um convite a ser diferentão, ouvimos isso tanto de gente "cabeça" de esquerda como de empreendedores e coaches entusiastas que estão sempre gritando por aí seus mantras para uma carreira bem sucedida: "pense fora da caixa!", é o que o mundo moderno insiste em nos dizer.

No caso do grafite que vi voltando para casa, a mensagem é bem clara: "não respeite sua noção de impossível". Também poderíamos ler como: "ignore as limitações da realidade". Você quer voar? Voe! Você quer riqueza sem trabalho? Queira! Você tem muitos desejos? Satisfaça-os. Não importa se a vida real é cheia de condições, muitas vezes insuperáveis, você tem todas as possibilidades de subvertê-las, basta querer!

Esta ânsia do homem moderno em destruir os limites foi muito bem observada por G.K. Chesterton, um escritor inglês que, dentre muitas frases célebres, tem uma das minhas favoritas: "Não seja tão mente aberta que seu cérebro caia pra fora". Chesterton lamentava a forma como seus contemporâneos passaram a encarar o mundo e a aquisição de conhecimento, para ele, a vida é feita de contornos, e retirando os contornos, a vida deixa de ser vida.

Não adianta você querer uma zebra sem listras, se ela não tiver listras, ela deixará de ser zebra. Não adianta desejar um leão sem juba, ao perder sua juba, o leão deixa de ser leão. Da mesma maneira, nossa vida é repleta de coisas já estabelecidas, e lutar contra elas é um grande passo a caminho da loucura e da insanidade. E é este um dos grande males que nossa civilização parece estar sofrendo.

O homem medieval buscava melhorar a vida, mas com um enorme respeito às coisas como elas são em seu sentido concreto, já o homem moderno zomba da realidade com extrema arrogância, colocando seus desejos e seu ego no topo das prioridades. O homem medieval era movido pela piedade, o homem moderno é movido pelo apetite.

Basta olhar ao redor e perceberemos que nosso mundo está movido por uma busca insaciável de atender a desejos de um lado, e uma insanidade irrefreável do outro, sendo esta campanha permanente de relativizar a realidade uma das principais causas da desordem interna que empurra as massas para o precipício. Em outras palavras: o que era apenas um convite para "pensar fora da caixa" se tornou um dos maiores dogmas desta nova religião da loucura e do caos metafísico.

Desconstruir, problematizar, quebrar paradigmas, parece que ninguém mais pode sentar em uma praça em paz e apreciar as coisas como elas são. Ver os velhos tagarelando, os vendedores anunciando suas ofertas, os apressados correndo, os mendigos pedindo esmolas. Nossos jovens estão sendo treinandos para fazerem análises sociológicas profundas das coisas mais banais, e muito comumente eles só reproduzem um monte de clichês e jargões marxistas para justificar algum remédio político que ouviram de um professor ou algum formador de opinião na internet. 

Compreender o mundo como ele é, ao invés de ficar se debatendo contra a realidade, é um dos principais caminhos que levam à sabedoria, assim como a uma vida mais feliz e perene. Revoltar-se contra tudo é abrir os portões a um verdadeiro inferno existencial, alimentando o monstro da insatisfação e cavando a própria cova da inteligência. O sábio não vive de revoltas e utopias, mas de um imenso entendimento de como as coisas funcionam, além de um permanente encantamento com tudo que seus olhos veem, como se os atributos aparentemente mais irrelevantes da existência fossem verdadeiros milagres. 

Abrir tanto a cabeça ou ficar questionando o impossível não lhe levará a um lugar muito mais interessante que esta fantástica aventura onde você já se encontra: a aventura da vida comum, a inigualável experiência de ser mais um. Somos muitos, mas cada um de nós é um milagre, assim como cada contorno que nos é imposto. Nosso tempo é curto, para quê desperdiçá-lo com excentricidades? Amemos as coisas como elas são. Voltarei lá no grafite para apagar a frase "o impossível é uma questão de opinião" e escrever: "o impossível é impossível e pronto". Desculpe se frustrei sua poesia, mas acho que vai ser melhor para você.

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