quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Porque deixei de ser vegetariano



Antes de discorrer sobre os motivos que me levaram a abandonar três anos como vegetariano, devo dizer que provavelmente frustrarei alguns "inimigos" do vegetarianismo que esperam alguma descrição catastrófica dos efeitos biologicamente destrutivos de não se alimentar de carne. Estes amigos buscam vorazmente relatos de indivíduos que ficaram "doentes" após um tempo adotando uma dieta vegetariana. Bom, este não é meu caso, não fiquei "doente" e não foi por motivos de saúde que abandonei este estilo de vida.

Devo destacar, inclusive, as vantagens de ser vegetariano. Uma dieta sem carne, conduzida por alguém bem educado sobre alimentação, pode melhorar e muito a qualidade de vida, a saúde e a performance nos esportes. Normalmente os vegetarianos bem empenhados acabam tendo uma alimentação muito superior à de um cidadão médio, uma vez que reconhecem suas restrições e aprendem a se alimentar melhor, tendo uma relação mais íntima com o que ingerem, buscando mais informações sobre os benefícios e malefícios de cada alimento.

Portanto, minha decisão por deixar o vegetarianismo não é de cunho biológico, não tive nenhum problema físico ao deixar de comer carne, pelo contrário, tive muitos ganhos, como alta imunidade contra doenças, bom sono, melhora nos processos digestivos etc. Entretanto devo deixar o alerta aos aventureiros, para ter este estilo de vida não basta deixar de comer carne, você deverá saber substituir sua velha dieta e passar a comer muitos alimentos com os quais não tinha tanta familiaridade, como frutas e verduras que não costumavam fazer parte do seu dia a dia.

Pois bem, o que me trouxe de volta para a alimentação "comum" foi um aspecto cultural, mais precisamente algo que passei a chamar de "custo social". Alguém que pensa em se tornar vegetariano no Brasil deve ter consciência de que vive em uma cultura onde o consumo de carne está profundamente arraigado, de forma tal que muitas tradições e costumes estão vinculados a esta prática, havendo um alto teor de questões de sociabilidade envolvidas em qualquer decisão que gire em torno da alimentação.

A alimentação não é só uma decisão sobre o que vamos ingerir para nutrir nosso corpo, mas algo que remete fortemente à nossa participação na sociedade. Coisas como "tomar um café" ou "fazer um churrasco" no Brasil significam muito mais que um "café" ou um "churrasco", são códigos de convivência intimamente ligados à nossa história e à nossa identidade como povo. Em alguns países, um estrangeiro que se recusa a experimentar a comida local automaticamente é rejeitado, como alguém que não se pode confiar, ou mesmo como um inimigo. Por mais que preguemos uma sociedade tolerante, poucas coisas são mais frustrantes do que receber alguém na sua casa e esta pessoa ter um tipo de alimentação completamente diferente da sua, você tem dificuldades em saber o que pode servir ou como agradar este visitante. Quando esta pessoa tem um discurso moralista, isto pode ficar ainda mais inconveniente.

Quando um brasileiro decide ser vegetariano, ele deve ter consciência de que está promovendo uma violenta ruptura com a cultura em que está inserido. Isto pode soar até como uma novidade para alguns, mas isso acontece porque tentamos acreditar que estamos em um mundo onde as escolhas são muito livres e todos devem acatar o que decidimos fazer com nossas próprias vidas. Tal idéia pode ser verdade na teoria, mas a realidade prática não se importa muito com teorias. A tendência para uma pessoa "excêntrica" é que ela seja aos poucos excluída daquele núcleo cultural em que determinada população vive, núcleo cultural que não adianta ser ignorado, pois costumes alimentares são parte indispensável na composição das convenções de uma nação, e o consumo de carne faz parte da história do Brasil.

Em outras palavras, ao decidir por um estilo de vida vegetariano, você está decidindo por uma ruptura cultural, e isto pode ter como consequência uma gradual exclusão social. É claro que é possível buscar outras pessoas com um estilo de vida semelhante e tentar se relacionar (principalmente se você estiver em uma cidade grande), mas isto provavelmente resultará em uma esfera de interações muito limitada, o que moldará sua vida e seu destino de forma decisiva. Pode parecer exagero, mas a decisão por um estilo de vida alimentar tem impactos tão fortes quanto à conversão a uma determinada religião, ou mesmo à escolha de uma carreira profissional. É coisa séria, muito séria.

Além disso tudo, particularmente também acredito que há algo transcendente no compartilhar de uma refeição, algo que não está tanto ao nosso alcance compreender, mas tem tudo a ver com amizade, lealdade, companheirismo e celebração. Partilhar um alimento vai muito além de meramente se alimentar, tendo ligação íntima com a construção de vínculos que podem ser duradouros. Deixar de participar diretamente do churrasco, compartilhando a mesma carne que os outros estão degustando, e ficar no cantinho do evento comendo uma "alternativa" vegetariana, impõe um distanciamento metafísico insuperável entre a maioria e sua conduta particular. Por mais nobre que sejam seus motivos, como proteger os animais, você está implicitamente declarando que não pertence àquele grupo.

Devo deixar claro que não estou dizendo que sou contra o vegetarianismo, apenas penso que aqueles que querem adotar este estilo de vida, devem ter em mente o "custo social" de tal empreitada. Às vezes não é fácil ser um "herege" alimentar, e se você for jovem então, acaba sendo pior ainda, pois jovens tendem a ter uma vida social mais movimentada, e deixar de ter vínculos nesta idade poderá lhe conduzir a uma maturidade solitária. Uma alternativa que deixaria como sugestão, caso alguém queira deixar de comer carne, é reduzir a quantidade consumida deste produto drasticamente, mas não proceder com uma ruptura total com a dieta "comum", desta forma, haverá um meio termo, ideais podem ser alcançados e vínculos sociais podem ser conservados.

Não me arrependo de ter deixado o vegetarianismo, apesar de também achar que o brasileiro come carne demais e deveria aprender a consumir outros grupos alimentares. Voltando a viver nos costumes, reaproximei-me de amigos e familiares, além de fazer novas amizades em situações onde o alimento era protagonista no cenário das interações. Eventos sociais que envolvessem comida nunca mais foram um problema, de forma que minha energia mental (antes preocupada com "o que comer") fosse redirecionada a outros problemas e desafios, como por exemplo ser alguém mais agradável, tolerante e cortês, coisas que exigem certo esforço, disciplina e aprimoramento individual. Portanto, saiba que ser vegetariano tem várias vantagens, mas não esqueça desse negócio chamado "custo social", isto é sem dúvida algo que deve entrar em suas meditações sobre o assunto antes de tomar qualquer decisão.

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