segunda-feira, 23 de abril de 2018

A paciência e o diálogo com o possível

Se há algo nesta vida que uma hora ou outra teremos que aprender e aceitar de bom grado é a paciência. Lembro que quando era criança acordava muito mais cedo que meus pais e minha irmã. Ao sair da cama, deparava-me com uma casa vazia, com todos ainda recolhidos em seus quartos. Entediado e sem ter o que fazer, inventava distrações que pudessem me ocupar até que a casa começasse a se “movimentar”. Mas apesar dos meus esforços, o tempo passava devagar, e quando todos acordavam, parecia que eu já tinha vivido a metade daquele dia. Penso que foi nessas manhãs que comecei a ter a noção de paciência, que também chamaria de a “arte de esperar”.

Também durante a infância, minha mãe costumava ser uma das que mais demoravam para buscar eu e minha irmã no colégio. Ficávamos eu e ela no portão da escola por cerca de duas horas. Talvez não pareça muito, mas para uma criança esse tempo costuma passar bem devagar. Enquanto todos iam embora, nós ficávamos lá, entediados, sem mais nenhuma criatividade para inventar brincadeiras, aguardando até a hora de ir embora. Lembro-me bem dos dias que me sentia tão entediado que a vida em si parecia um completo vazio. Mas por incrível que pareça, essas lembranças que me remetem a um tipo de mortificação, moldaram o adulto que sou de forma melhor, criando em mim uma espécie de força e serenidade maior do que a média das outras pessoas. Com aquelas experiências, aprendi a esperar, coisa que muita gente nos tempos de hoje não sabem fazer muito bem.

O mundo moderno é apressado, ansioso e turbulento, e com a recente revolução digital promovida pela internet e pelos telefones celulares, todo este movimento se intensificou consideravelmente. Nesta época, somos não só bombardeados por um turbilhão de informações, como também extremamente cobrados para que acompanhemos o ritmo já instalado. O resultado é um desajuste entre a realidade e o plano virtual de possibilidades infinitas. Enquanto a vida real gira em torno de constância e persistência, o mundo moderno gira em torno de sobressaltos e estímulos que muitas vezes vão além do processamento psíquico humano. Precisamos da paciência, mas a corrida utilitarista nos encoraja à impaciência.

Durante a maior parte da vida humana estamos inseridos em circunstâncias em que nossa ação será pouco efetiva para a mudança. Podemos trabalhar por ela, mas existem conjunturas em que a mudança será um processo lento e gradual, forçando-nos a aceitar nosso estado de relativa impotência. Quando buscamos a todo momento alterar nossa realidade, ficamos consideravelmente irritados e insatisfeitos, enquanto quando temos paciência e praticamos a gratidão, acabamos convivendo melhor com o cenário real onde nos encontramos. Com paciência, temos paz, fazemos o possível e não nos apressamos. Sem a paciência, mantemo-nos em diálogo com o impossível, tentando encontrar atalhos e nos embaraçando em caminhos tortuosos que, muitos vezes, fazem-nos perder ainda mais tempo.

É válido observar a natureza, em toda sua beleza e complexidade, e perceber que tudo nela funciona com certa lentidão. Peguemos uma árvore, por exemplo. Ao meu ver, a árvore é um grande símbolo de paciência. Ela começa em uma semente, cria raízes, espalha-se pela terra, seu tronco cresce aos poucos, levando anos e anos para se tornar uma árvore madura. Depois de madura, ela permanece em estabilidade, dando seus frutos e nos presenteando com toda sua exuberância. É difícil ver uma grande e antiga árvore e não pensar em certa força, sabedoria, serenidade e experiência. Vai ver por isso os índios americanos atribuem às florestas tantos mistérios. Na estória lendária da índia Pocahontas, o oráculo que a aconselha e a auxilia é uma árvore (pelo menos na versão da Disney).

Mas a ideia de um vegetal fixo e enraizado parece não agradar muito o homem moderno, que está sempre a procura de novidades e estímulos externos, nunca se saciando completamente. Em um mundo assim, problemas como ansiedade e depressão continuarão atingindo níveis cada vez mais altos, tornando-se uma enfermidade generalizada. Não cabe a mim descrever uma solução para tais problemas, mas penso que aqueles que praticam a paciência, com o passar do tempo, adquirirão maior imunidade contra esses males, tendo maiores possibilidades de crescerem como admiráveis árvores, cultivando uma vida mais plena, estável e feliz. Portanto, pratiquemos a “arte de esperar”.

domingo, 22 de abril de 2018

A eterna insatisfação do homem moderno

Desde o tempo em que passei a me considerar um ser pensante, daqueles que analisam certos objetos e tentam estabelecer determinada lógica entre um fato e outro para estuturar algum tipo de cadeia racional de eventos e deduções, tenho registrado variações de rebeldia quanto ao mundo como ele é. Falo de uma rebeldia nas pessoas em geral, sempre relutando em aceitar a realidade da maneira como fôra posta. Criança levada, adolescente revoltado, adulto amargurado, parece haver alguma agitação mental em nossos tempos que tira a paz de qualquer sujeito.

Fala-se muito que as pessoas andam tristes, mas poucos falam do motivo da tristeza. Não creio que a felicidade está neste mundo, mas penso que podemos viver bem, carregando o fardo humano de bom grado, sem ficar resmugando pelos cantos como quem perdeu toda a esperança. Mas viver bem tem tudo a ver com a forma como enxergamos a vida; parece que criamos nosso próprio céu ou nosso próprio inferno, não importa quais sejam as circunstâncias. O homem moderno tem procurado o céu na Terra, e com isso sua vida tem se transformado em um inferno.

Temos sido estimulados além do suportável por todos os lados, tanto pela busca do prazer material promovido pelo consumo capitalista quanto pelas paixões ideológicas promovidas por todos que querem substituir a realidade por um mundo previamente pensado onde todos supostamente serão felizes. Queremos sempre algo diferente, cultivamos a insatisfação e logo abraçamos a ingratidão. Nunca existiu uma época tão abundante de recursos como hoje, todavia nunca estivemos tão tristes (você já deve ter ouvido isso diversas vezes).

Muitos colocam a riqueza como fomentador desta insatisfação, apontando o "dinheiro" como grande inimigo do bem-estar humano. Isto é um equívoco. A riqueza nos liberta das atividades primitivas e nos permite mais conforto para exercitar outras faculdades, e assim avançamos como civilização. Penso que o problema está na ânsia de escolher a riqueza como filosofia de vida, colocar as conquistas materiais como um fim, e não como um meio.

Ao focar no materialismo como fonte de felicidade, ficamos sujeitos a todo o caos desta realidade terrena, comemorando e lamentando de acordo com as oscilações da vida, como se tudo fosse uma bolsa de valores, sendo seu sucesso um gráfico de acumulação crescente. Olhamos para o que temos e, ao invés de agradecer a Deus por aquilo, pensamos em como podemos ter algo melhor, entrando em um ciclo eterno de uma busca que nunca saciará nossas almas.

De forma um pouco diferente também está a insatisfação do revolucionário, que revoltado com as circunstâncias de sua vida, crê que a destruição dessas circunstâncias fará com que um mundo novo e melhor para se viver emergirá das cinzas. A situação deste indivíduo é até pior do que a do capitalista insatisfeito. O capitalista insatisfeito pelo menos aprova seu mundo, o revolucionário abomina tudo ao seu redor, entrando em um estado mental de ruptura perpétua.

Ao que tenho percebido aqui, não há filosofia mais sábia que aquelas que nos propõem o desprendimento deste mundo, não de forma tão radical como os orientais, mas de forma prudente como os cristãos. Paradoxalmente, quando nos desprendemos, acabamos lidando melhor com as tribulações deste mundo, parece que observamos e sentimos tudo de uma perspectiva superior, não negligenciando a vida, mas a abraçando de forma a estar protegido de suas possíveis trapaças. Falta este distanciamento para o homem moderno, pois que está a todo tempo estimulado por ilusões, caindo com frequência no turbilhão impiedoso da realidade.

sábado, 21 de abril de 2018

A proteção de interesses e a manutenção da pobreza

Desde o Século XVIII a humanidade já conhece a solução para a pobreza. Talvez tenha demorado para que a solução amadurecesse, mas no fim ela amadureceu, mesmo diante de ferrenhos opositores. Hoje não há mais desculpas para que um país permaneça na pobreza. Nações com recursos naturais escassos prosperaram brilhantemente, assim como povos "iletrados" conseguiram melhorar suas condições adotando instituições adequadas.

Se o Brasil, diante de toda a prosperidade produzida no mundo nos últimos 200 anos, ainda sofre com a escassez, é muito mais por uma questão de manutenção de interesses, e não por meras fatalidades do mundo "subdesenvolvido". Isso porque, aqueles que protegem interesses foram colocados como "amigos dos pobres", enquanto aqueles que sugerem o fim dos privilégios, abrindo mão da demagogia, até hoje são tachados de "elitistas" ou "inimigos da nação".

Quem não quiser cair nesta guerra chula de narrativas, e ao invés disso buscar entender os processos da prosperidade, perceberá que os discursos quase nunca batem com os números, e os números nunca se curvam à pompa dos discursos. Não há um só político que consiga multiplicar a riqueza de uma nação por meio de um decreto, tornando-se capaz de entregar todas as suas promessas populistas a partir do nada. Sempre que um político prometer demais, saiba que você está a frente de um demagogo que, provavelmente, inflacionará a moeda, endividará o Estado ou elevará os impostos até onde não puder mais. Não há mágica.

Nas últimas semanas estive lendo a biografia de Eugênio Gudin, tido como o primeiro economista brasileiro em termos formais (Gudin fundou a primeira faculdade brasileira de Economina), pensava que o Brasil deveria ter disciplina em suas contas, investir na educação básica e se abrir para o comércio com as outras nações. O resultado? Foi acusado de "entreguista" e representante do "grande capital". Apesar de ainda muito respeitado (sendo até o chefe da delegação brasileira em Bretton Woods), Gudin teve suas ideias ignoradas, e o Brasil escolhe o caminho do desenvolvimentismo, que não passa de outra palavra para "gastança de dinheiro que não existe". Hoje somos este país economicamente emperrado, onde tudo gira ao redor do Estado e a instabilidade monetária nunca dá sossego.

Hoje, toda vez que um homem toma a frente propondo austeridade e pés no chão, ao invés de gastança e "investimentos", já busco conhecer mais sobre ele, pois só a coragem de ir contra a maré do populismo já demonstra uma diferenciação quanto aos outros que ocupam os palanques por este Brasil afora. Este país é tão contaminado pela demagogia e pela mentira que fica difícil acreditar que um dia poderemos ter gente responsável ocupando os postos mais altos da nação. Liberar a economia, tanto a interna (regulações excessivas, burocracia e alta carga tributária) quanto a externa (protecionismo) deveria ser prioridade para que um dia cogitássemos acabar de verdade com a pobreza.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Os brasileiros não são democratas

O que prejudica o debate político brasileiro desses tempos é que há um certo desprezo por aqueles de opinião divergente. O brasileiro tem muita dificuldade em ouvir e simplesmente respeitar determinada posição que não esteja alinhada com suas próprias ideias.

Paradoxalmente somos bem tolerantes quanto à pluralidade religiosa, mas extremamente inquietos quanto à heterogeneidade de pensamento político. Observando a democracia francesa, britânica ou americana, nota-se um verdadeiro zelo em proteger o “divergente”, como se o bom funcionamento do “todo” dependesse do atrito mantido pelos “poucos”.

Aqui, se o sujeito fala que é a favor da liberação das drogas, não se conclui que ele tem argumentos razoáveis que fundamentam sua ideia, mas que é um “Zé Droguinha” querendo melhor acesso aos produtos. Se o sujeito é contra o desarmamento, não se pensa que ele refletiu sobre a melhor maneira de termos um país mais livre e pacífico, mas que deve ser algum tipo de psicopata belicista que vai sair por aí aterrorizando tudo e todos. O diálogo fica inviável, os bons se retiram, e a palavra acaba ficando com aqueles que transformam tudo em um grande ringue de calúnias e destruição de reputações.

Este é o cenário ideal para a ascensão de mentes totalitárias, afinal, onde não há diálogo civilizado, haverá o embate pela força, e o embate pela força costuma resultar em um vencedor tirânico o suficiente para calar todas as vozes dissonantes. A democracia parece não ter sido pensada para um munco incivilizado. Quando a voz é concedida a todos e nem todos sabem usar a palavra, o resultado é o caos e a materialização dialética da degeneração. Aqueles que cultivam o bom debate acabam sendo suprimidos por aqueles que passam por cima de todas as regras.

A democracia pode ser bela em um pequeno vilarejo suiço onde todos se conhecem e avaliam as opiniões uns dos outros com respeito e cordialidade, mas em um grande território tomado pelas massas e pela desigualdade, o resultado parece não ser aquele pensado pelos gregos. A tendência é a busca imediata por vantagens, com pouca ponderação e quase nenhuma prudência, sendo necessário algum limite que proteja a liberdade individual.

Entra então o império da lei. Entra então o constitucionalismo. Mas nada adianta uma constituição que não limite o poder da maioria, e que ao invés disso aprofunde a força deste rolo compressor que parece não dialogar com o divergente. Penso que esta é a maior diferença entre a constituição americana e a brasileira, e por motivos de incompatibilidade geográfica e demográfica, considero um erro pensar o que seria bom para o Brasil tomando por referência os países europeus e seus modelos de bem-estar social feitos para uma população homogênea e uma economia já altamente produtiva. Nessas terras selvagens, ou temos lei, ou temos despotismo.