quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Ser apolítico é um posicionamento político

Nos últimos anos, com o cenário político brasileiro se tornando cada dia mais acalorado, foi comum escutar muitos lados e visões sobre assuntos políticos. Um desses assuntos foi a tentativa geral de definir melhor o que seria "esquerda" e o que seria "direita", algo que, ao meu ver, foi muito positivo, considerando o estágio de maturação da democracia brasileira.

Neste cenário, uma crítica muito comum da "esquerda" sobre a "direita" é que pessoas mais à "direita" muito frequentemente não estão "conscientes" do processo histórico e do contexto social no qual elas mesmas estão inseridas. Em outras palavras, o "esquerdista" lê um pouco de Marx e um pouco de outros autores "progressistas" e começa a achar que descobriu a "falha da matrix", como se todo mundo que não tivesse tido acesso às preciosas "informações" que ele teve acesso não passasse de um bando de alienados. Se você é de "direita", então você não tem a "sensibilidade" que só o "humanista ungido de esquerda tem". Esta é uma das origens da soberba intelectual entre os "progressistas", soberba esta que Thomas Sowell disseca impiedosamente em sua obra "Os Intelectuais e a Sociedade" (vale à pena ler este livro).

É até compreensível o porquê deles pensarem assim. Pessoas mais "direitistas" costumam alimentar certo ceticismo em relação à política e não se atrair muito por ideologias, o que acaba dando a impressão de que são "apolíticas", enquanto pessoas "esquerdistas" costumam ser mais interessadas em movimentos sociais, ideais abstratos, palavras de ordem e na própria política institucional em si. Uma grande dificuldade que tive como estudante liberal em uma universidade brasileira foi justamente tentar convencer pessoas que eu percebia serem liberais a contribuírem de alguma forma com a causa da liberdade no campus. Estudantes das áreas de gestão, engenharias, tecnologia, medicina, entre outras, costumam ser muito práticos e não se interessarem muito por política. Em contrapartida, estudantes de cursos de humanas são altamente engajados em movimentações políticas. Resultado? Quando falamos de "ocupações de espaços", a direita leva uma surra nas universidades. Isso se dá porque a esquerda tem ideias melhores ou um maior número de adeptos? Não. Isso se dá porque liberais e conservadores não gostam de política, deixando o caminho livre para que haja um domínio avassalador da esquerda.

Mas vindo ao ponto central deste texto, o fato de serem mais "apolíticos" faz com que os direitistas sejam pessoas alienadas e sem consciência? Eis onde está um grande equívoco da esquerda. A característica fundamental da "direita", segundo Russell Kirk, é a negação da ideologia. Conservadores não se nutrem de um determinado sistema de ideias, e sim de fontes de orientação históricas, como os costumes, as convenções, a religião, a sabedoria dos mais velhos, as tradições etc. Ou seja, se você se referir negativamente a uma pessoa de "direita" como alguém "sem ideologia", saiba que, na verdade, você está a elogiando, pois seu posicionamento político é justamente ser contra ideologias. Entendendo ideologias como sistemas artificiais de ideias formuladas para se chegar a um determinado fim, e não para entender a estrutura da realidade (que é extremamente complexa).

Se você é de esquerda, tem uma ideologia, e acha que um direitista é "alienado", saiba que, se este direitista conhecer as ideias do que defende, talvez ele considere você o "alienado" da história, justamente por você ser muito "letrado" em ideias que fogem do mundo real. Esquerdistas acham que se as pessoas conhecerem suas belas ideias, o mundo será um lugar melhor, mas o que vemos é que, com muita frequência, pessoas apolíticas são bastante engajadas cuidando de suas famílias, servindo suas comunidades, trabalhando, estudando e concentrando suas energias, de forma geral, na manutenção da ordem em seus pequenos raios de atuação. Enquanto isso, os "progressistas" falam muito e fazem pouco. Costumam ser pessoas boas e idealistas, mas ficam muito concentradas no campo das ideias, desejando um mundo melhor pela via política, e não por seus empreendimentos individuais.

O que é melhor? Uma pessoa "apolítica" que tenta ter uma vida em ordem ou uma pessoa "politizada" com uma vida caótica querendo salvar o mundo? Esta é uma bifurcação que, ao ser pensada, possivelmente lhe definirá como alguém de "esquerda" ou "direita". Você já percebeu como esquerdistas costumam ser adversos à caridade e ao trabalho voluntário? Esta característica nos ajuda a enxergar melhor o cenário. Grupos que praticam a caridade - geralmente ligados a igrejas, centros espíritas etc - costumam ser compostos por pessoas que não são muito "politizadas", mas têm um grande coração e tentam melhorar suas comunidades, enquanto os "politizados" declaram para todos os lados o "amor" que sentem pela humanidade mas não movem um dedo para realmente ajudar alguém necessitado. Fatalmente o segundo grupo alcançará o poder político (de tanto tentar) enquanto o primeiro grupo continuará servindo a comunidade sem saber que, aos poucos, pode estar sob o controle do segundo grupo.

Se você for uma pessoa "prática" que quer liberdade para exercer seus valores e ampliar suas liberdades, eu entendo o fato de você não gostar muito de política, mas tente reavaliar a situação, talvez não seja interessante para a sua vida ficar à mercê de pessoas que falam muito e fazem pouco, afinal, se você não se envolver, provavelmente elas estarão no poder e, uma vez no poder, elas podem lhe atrapalhar muito. Mas se você for do tipo "politizado" que acha que detém a "verdade iluminada" enquanto os outros não passam de "brinquedinhos da burguesia", lembre-se que, talvez, você pode ser o "brinquedinho", e o cara sem ideologia ao lado é justamente o indivíduo livre que você dificilmente se tornará. Ser "apolítico" é um posicionamento político. Um posicionamento político que diz não às ideologias.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Bolsonaro pode estar no poder, mas ainda estamos no Brasil de Lula e Dilma

Resultado de imagem para desempregados sao pauloÉ extremamente comum nos depararmos com pessoas reclamando de um momento político "atual", atribuindo o cenário não ao governante que passou por ali, mas àquele que está no poder no momento em que há a insatisfação. Este é um grande problema da democracia de massas, as pessoas atribuem tudo que está acontecendo ao governo de momento, sem compreender a amplitude dos sucessivos eventos que construíram aquele cenário perceptível.

Por exemplo, quando Lula assumiu o poder e durante todo o seu primeiro mandato, ele não governava o "Brasil de Lula", ele governava o "Brasil de FHC". Lula administrava um país com uma política a nível federal moldada durante oito longos anos por FHC e seu partido. Política pública é assim, você faz algo hoje para só ver efeito depois de uns três anos ou mais.

Neste momento, o Presidente da República é o Sr. Jair Bolsonaro, que assumiu seu cargo há cerca de nove meses. Bolsonaro não governa o "Brasil de Bolsonaro", e nem o de Michel Temer (que esteve no poder por dois anos), Bolsonaro ainda governa o "Brasil de Dilma Rousseff" e seu Partido dos Trabalhadores. A conjuntura econômica que vivemos neste momento foi construída por aqueles que estiveram no poder nos últimos dez (ou mais) anos. É verdade que Michel Temer mudou esta rota, mas ainda faz muito pouco tempo para as alterações serem sentidas.

É claro que algumas coisas acontecem e podem ser atribuídas ao mandatário de momento. Por exemplo, o Brasil neste ano teve uma queda significativa na ocorrência de diversos crimes, como roubos de carga, estupros e homicídios. Tenho certeza que muitos discordariam de mim, mas atribuo esta queda ao fato de termos um presidente extremamente hostil a esses crimes que há anos perturbam acintosamente a ordem social brasileira. Sei que a segurança pública não é uma responsabilidade da união, porém desconfio que parte da "bandidagem" está pensando mais antes de proceder com seus crimes, com a ideia de que se fizerem coisa errada, "o Bolsonaro vai pegar".

Mesmo considerando estas exceções, as políticas públicas demoram um tempo para serem sentidas, principalmente no que se refere à economia. Neste campo, o que a equipe de Bolsonaro liderada por Paulo Guedes está fazendo - e ao meu ver está fazendo bem - só será sentido daqui a alguns anos, talvez uns dois. Além dessas coisas levarem um tempo, ainda há a demora para que o Congresso aprove as medidas, como a Reforma da Previdência, essencial para o equilíbrio fiscal do país, mas que só deve ser aprovada pelo Senado no começo de outubro. Vamos demorar longos dez meses para aprovar uma reforma que já deveria ter sido feita há anos. Mas não deveríamos nem reclamar, afinal pelo menos as coisas estão acontecendo, depois de tudo que passamos, a situação poderia ser bem pior.

Por isso se alguém reclama da situação econômica neste exato momento e atribui os números a Bolsonaro, atrevo-me a dizer que este alguém não tem muita noção sobre como as coisas acontecem. Críticas mais contundentes ao governo Bolsonaro poderão ser feitas quando seu mandato estiver chegando ao fim, talvez a partir de 2021. Antes disso os ataques não deverão passar de espantalhos ou de manifestações ressentidas de quem ainda não aceitou o resultado das eleições em 2018. Como costumavam dizer no início do segundo mandato de Lula: "deixa o homem trabalhar". É impressionante como "deixar o homem trabalhar" não parece ser uma ideia palatável aos agitadores quando seus representantes não estão no poder.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Coletivismo não é fraternidade e Individualismo não é egoísmo

Resultado de imagem para coletivismoUma das grandes dificuldades no processo de difusão do pensamento liberal é a desmistificação de alguns termos que até então parecem favorecer os socialistas. Dois desses termos, muito citados na literatura liberal, é o "individualismo" e o "coletivismo". O primeiro nós ouvimos desde que somos crianças: "Não podemos ser individualistas, temos que dividir.", o mundo nos diz. E com toda razão, a solidariedade e a partilha são parte de nossa cultura e considero algo benéfico.

Acontece que, quando falamos de Ciência Política, o "individualismo" não significa esta noção de egoísmo e mesquinharia, e sim a liberdade de determinada pessoa agir da maneira que quiser, contanto que não fira as leis que regem a sociedade (e sim, as leis são necessárias). No modelo "individualista", o Estado é formado em torno da proteção do indivíduo, e não de grupos, isto garante que a autonomia de cada pessoa seja respeitada, protegendo, em especial, as minorias, aquelas que a esquerda costuma defender sempre mas não admite que são as mais perseguidas quando seus regimes socialistas se encaminham para realidades autoritárias.

O segundo termo, "coletivismo", soa como algo benevolente, ligado à fraternidade entre os homens: "Pensemos no coletivo!", dizem. E não há nada demais nisso, contanto que se atue coletivamente de forma voluntária, e não se utilize a força coercitiva do Estado para criar estruturas de proteção a determinados grupos (o que acontece muito no Brasil). Um modelo de Estado coletivista não pode conviver com um modelo individualista, quanto mais coletivista um Estado, mais ele compromete a autonomia individual e força as pessoas a se sujeitarem a um suposto "bem comum", e foi exatamente isto que aconteceu com as ideologias colocadas em prática ao longo do século XX. No começo, parecia uma salvação coletiva rumo a um paraíso, depois, logo se transformou em um inferno administrado por uma elite despótica.

Há de se destacar que uma pessoa que defende um regime político "individualista" não necessariamente é alguém que pensa apenas em si mesma, pelo contrário, talvez esta pessoa esteja bem inserida socialmente e coletivamente, mas por uma convicção ética prefere um modelo que proteja as "minorias" e até ela mesma (caso um dia ela se torna alguém "diferente" do todo"). Assim como uma pessoa "coletivista" talvez não seja tão fraternal assim. Muitos coletivistas - e aqui destaco os socialistas - são daqueles que endossam uma ideologia política que poderia salvar a humanidade mas não têm a coragem de mover uma palha para ajudar alguém mais próximo, como um familiar que está logo ali ao lado. Em outras palavras, são aquelas pessoas que "amam" a humanidade mas odeiam o ser-humano.

Estados individualistas formam estruturas sociais voluntaristas, enquanto Estados coletivistas formam estruturas sociais coercitivas. Há uma grande tendência a nos deixarmos levar por promessas de regimes coletivistas, pois costumam prometer "fins" compensadores, entretanto devemos haver cuidado com essas promessas, afinal um grande Estado capaz de "fazer o bem" é um grande Estado capaz de fazer o mal. Portanto, por via das dúvidas, talvez seja melhor manter este Estado contido, evitando assim processos de tiranização. Isto é Ciência Política clássica, coisas que fundaram nossa civilização, mas parece que há a necessidade de sempre relembrarmos, principalmente em um país em que seus cidadãos cedem tanto poder aos governantes, abrindo mão da própria liberdade em troca de promessas de direitos e segurança econômica.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Porque a direita brasileira é tão desorganizada


Durante meus anos de faculdade, período em que construí minha formação no curso de Ciências Econômicas, muito me preocupava a situação do Brasil com o caminho que o país seguia ao continuar sob o controle do Partido dos Trabalhadores. Com esta preocupação, passei a me envolver mais com política e ajudei a fundar um grupo de estudos liberal em minha universidade. Este envolvimento não foi só no âmbito das articulações, mas principalmente nos estudos. Percebi que a única forma de se opor à força das tendências socialistas que imperavam no país, era conhecendo "o que pensa o outro lado", foi então que encontrei Hayek, Friedman, Mises, Ortega y Gasset, Bastiat, Kirk, Scruton e uma série de outros pensadores muito conhecidos no exterior, mas curiosamente ocultados no cenário nacional.

À medida que ia aprofundando nos estudos e conhecendo a dinâmica da guerra política brasileira, fui me surpreendendo com o tamanho da força que a esquerda tinha, muito embora o brasileiro não fosse lá esse povo letrado e "por dentro" de ideias políticas. Você só percebe a bolha em que nossa gente está, quando passa a ler coisas que os acadêmicos brasileiros não gostam. Se você tiver morado no exterior, este enclausuramento intelectual fica mais visível ainda. Foi então que passei a querer entender: por que praticamente não existem "vozes de direita" no Brasil? Ora, aparentemente toda democracia que se preze tem um partido conservador, liberal, liberal-conservador ou algo do tipo, mas neste país não havia absolutamente nada.

Já ouvi uma teoria de que isso tem tudo a ver com o "desgaste" da direita após os anos de domínio coercitivo dos militares, e tenho de concordar que isto realmente faz sentido, mas um ponto que passei a observar é que, a grosso modo, esquerdistas são intensamento engajados em política, enquanto direitistas só querem cuidar de suas próprias vidas e não se envolver em assunto desgastantes como "os problemas inerentes à sociedade e à administração pública". Durante muito tempo, inclusive, envolver-se com política era algo que levantava enormes preconceitos, como se fosse "coisa de quem não tem o que fazer", o que deixava o caminho totalmente aberto para os esquerdistas dominarem todas as esferas do Estado, educação e linhas editoriais.

Uma coisa que tentava explicar para os meus colegas "estudantes de gestão" é que, de fato, suas carreiras eram muito importantes, mas se eles ignorassem completamente a política ficariam nas mãos daqueles que se interessam, e então eu apontava o dedo em direção aos blocos dos cursos de humanas, onde o debate político é intenso, constante e acalorado, sendo pautado quase que completamente pelos esquerdistas, tanto pelos alunos quanto pelos professores marxistas que parece que vivem em função de seus "ideais revolucionários", transformando o campus universitário em uma espécie de quartel general das suas articulações ideológicas.

Envolver-se com política enquanto se está estudando em uma faculdade "apolítica" é extremamente desgastante, as pessoas simplesmente não gostam de "misturar as coisas", e se você tentar promover algo que desperte consciências, é simplesmente mal visto, como uma espécie de "agitador inconveniente". Cenário totalmente diferente dos cursos de humanas, onde aqueles que promovem assuntos políticos de forma saudável e civilizada são respeitados e até destacados pelos próprios professores. Alunos de administração, por exemplo, costumam ser economicamente liberais, mas se interessam muito pouco por política, e então não entendem porque é tão difícil empreender no Brasil, ou mesmo ser um empregado, enfrentando longas jornadas de trabalho para ganhar um pequeno salário que é dividido com o governo.

Por negligenciar suas próprias cidadanias, os "direitistas" acabam ficando nas mãos dos esquerdistas. Insistem em reclamar dos políticos e falar mal de tudo e de todos, mas não fazem nada para contribuir na "guerra ideológica", apenas continuam "cuidando de seus negócios", não entendendo muito bem porque o país parece estar entrando em uma espécie de caos entrópico. Esta omissão em não tentar entender o que acontece na política de seu própria país, custou caro a todos nós com os escândalos promovidos pelo Partido dos Trabalhadores enquanto governavam. Felizmente Dilma Rousseff sofreu impeachment e eventos piores não aconteceram (e tinham tudo para acontecer).

Mas parece que as coisas estão mudando, ao jogar o sistema político em uma grave crise moral, e o povo em calamidade econômica, o PT acabou por gerar uma enorme força de reação, forçando milhares de brasileiros a se interessarem por política, talvez por terem visto o que estava acontecendo na Venezuela, passando a se preocuparem com a manutenção de suas próprias vidas. Mas esta "reação momentânea" não é suficiente, caso queira transformar o Brasil em um país digno de atenção, aqueles que se identificam com a direita devem passar a ocupar espaços de forma sustentável e prolongada, criando no longo prazo uma nova cultura política em nosso país.

domingo, 20 de janeiro de 2019

Minimalismo, modinhas modernas e a negação das tradições

Há alguns anos venho observando uma intensificação dos hábitos "minimalistas", ou a cultura do "menos é mais", como você preferir chamar. É muito interessante como, de tempos em tempos, o mundo moderno traz à tona ideias do passado, mas com uma roupagem aparentemente diferente, como se fosse uma super novidade, deixando todos fascinados. A ideia do "minimalismo" consiste, resumidamente e a grosso modo, em se livrar de coisas inúteis que só entulham e atrapalham sua vida, deixando apenas aquilo que é necessário, aquilo que você quer mesmo. Quando você faz isso, sua vida fica mais clean, mais leve, mais harmoniosa e, consequentemente você também se sente melhor.

Isto é uma verdade, uma vida simples geralmente é uma vida mais feliz, e provavelmente você encontrará esta ideia na maior parte das grandes religiões, como na Católica, por exemplo. Não ficarei aqui citando passagens da bíblia, já que chega a ser de conhecimento comum que um cristão deve ter uma vida frugal, sem apego aos bens materiais, prezando pela ordem e pela limpeza, muito longe daquele estereótipo de americano consumista que mora em uma casa enorme que tem tantos objetos e coisas inúteis que o sujeito mal consegue andar sem sair chutando tudo (as coisas pioram ainda mais quando há crianças na casa).

Mas meu ponto principal de hoje não é sobre o movimento minimalista em si - que considero muito positivo - mas de duas práticas que revelam um pouco sobre o comportamento e a psicologia modernas. A primeira prática é negar a grande herança civilizacional das tradições cristãs. Chesterton dizia que a doutrina católica era a melhor filosofia para viver na Terra, superando as outras religiões por ser capaz de entender a natureza humana de forma mais aguçada, orientando com precisão como deveria ser uma vida virtuosa e com retidão, afastando-se dos pecados e buscando a postura moral que mais favorecia o bem-estar do homem.

Mesmo se você não acreditar em Deus, ainda assim a "ética cristã" perpetrada pela Igreja é sábia, e seus mandamentos podem orientar qualquer ser-humano em direção a uma vida mais equilibrada e feliz. Como já dito aqui, uma das principais orientações da Igreja é ter uma vida simples, de forma muito semelhante ao que prega o minimalismo (talvez o minimalismo ainda seja mais radical, pois o católico costuma ver mais valor em certos ornamentos, mas ambos compartilham tendências de "sabedoria" parecidas), porém o ser-humano moderno, sedento por outras fontes de orientação moral que não sejam as mesmas de seus "antiquados avós", preferem negar estas orientações milenares de vida e abraçar filosofias e ideologias fragmentadas que são vendidas pelo mundo a altos preços.

É como se as respostas (quase) perfeitas de uma vida sã já estivessem ali em nossos quintais, harmonizadas e equilibradas após séculos e séculos de grandes esforços intelectuais e físicos, mas preferimos buscar respostas imperfeitas em lugares muito mais distantes, que podem até funcionar de certa forma, mas estão desintegradas de um sistema filosófico harmonizado como aquele deixado pelas tradições cristãs. Mas quem vai querer dar o braço a torcer a "instituições do passado"? Afinal de contas somos muito "descolados" e "progressistas" para isso.

Isto nos leva à segunda prática, que consiste em encorporar "virtudes soltas", de acordo com a moda e a necessidade vigentes. Chesterton gostava do termo "virtudes enlouquecidas", querendo dizer que o homem moderno queria ser bom, mas achava que isso poderia ser feito como em um restaurante self-service, onde ele poderia se servir daquilo que era mais cômodo, e não de um sistema completo e integrado que demandaria muitas restrições e sacrifícios. Simplicidade e desapego material são legais? "Neste momento sim, então vou querer". Castidade é chato e fora de moda? "Então não vou querer". É claro que como o homem moderno não se apega a um corpo unificado de ideias morais, esta ordem pode simplesmente mudar, e o que é antiquado hoje pode se tornar uma ideia nobre amanhã, como a castidade em uma situação de calamidade pública com alguma doença sexualmente transmissível rondando. Assim como a simplicidade pode ser abandonada se alguma ideologia materialista assumir o poder e todos quiserem colaborar com a propaganda do "aumento de padrão de vida", passando a usufruir novamente das tendências de alto consumo (podendo isto acontecer em um governo tanto de direita como de esquerda).

Então em primeiro lugar nega-se e ridiculariza-se o passado e as tradições, evitando qualquer reconhecimento de virtude e verdade neles. Feito isto, passa-se a se buscar fontes de boa filosofia, ideias sábias que contribuam para o equilíbrio da mente e da alma, que comumente são encontradas, mas sempre em fragmentos e frequentemente em doses erradas, não proporcionando os resultados desejados. É claro que boas ideias são melhores do que más ideias. É claro que praticar meditação nos moldes orientais é melhor que usar drogas diariamente como forma de "se equilibrar". Mas não me venha com "novidades" que não são novidades, com ideias atraentes que na verdade são antigas. Não posso fazer nada se você se afastou do legado dos seus antepassados e hoje é facilmente impressionado(a) por escritores e ideólogos que vendem a preço de ouro coisas que o padre da cidadezinha dos meus bisavós já falava. O que a geração atual precisa é conhecer as próprias origens, é uma pena que a cultura clássica ocidental tenha sido removida das escolas, meus contemporâneos mal conhecem o precioso tesouro de que são herdeiros.