sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Caos e resiliência

Fala-se que a infância é a melhor época desta vida. Há quem não concorde, mas é simples encontrar as razões que justificam tal afirmação. Ora, o que é a infância se não um breve sopro da mais amena condição de contemplação da existência, sublime apreciação das coisas mais leves da alma: alegria, inocência, amor. Uma concessão de paz para o ser que logo mais encontrará as amarguras da implacável realidade.

Ao se aproximar dos rudimentos da idade adulta, é preciso enrijecer os sentimentos, consolidar convicções, encontrar sentidos onde impera a confusão, encontrar consistência onde antes era tudo tão tênue. A criança dança, o adulto dita o ritmo. Contudo não se trata mais de um contemplativo concerto, e sim de uma exaustiva batalha, cheia de altos e baixos, vitórias e derrotas. Não somos mais leves dançarinos, mas sim bravos soldados, lutando na linha de frente, mantendo a retidão, e suportando o pesar dos ferimentos que incomodam o presente enquanto se misturam às ruínas fragmentadas do passado.

Há também quem não goste desta versão, preferem acreditar que a vida adulta pode ser leve como os passos de uma criança, basta mudarmos nosso estilo de vida, basta entrarmos em estados meditativos e evitarmos os devaneios mundanos que nos cercam, basta evitarmos este lado sombrio e violento que nos dita o ritmo. Esta é sem dúvida uma saída, mas questiono se não é um terrível equívoco, uma tentativa precipitada de se blindar ante as cargas impostas pela verdade.

Suspeito que há algo obscuro nas doutrinas da abstração, suspeito que há algo verdadeiramente divino nas mais dolorosas vicissitudes que nos são impostas, suspeito que a espada do combatente em punhos seja tão digna de veneração quanto o mais puro ato de desprendimento terreno. Seria o amor um nirvana budista, ou seria o amor um penoso levantar de cruz e respingar de sangue ao longo de uma íngrime caminhada? Se tudo é manifestação do amor, nada é manifestação do amor. Quiça o amor não seja esta coisa gratuita, e sim a mais escassa das raridades, onde não se chega se não pela mais ardorosa das conquistas, que nos afasta das mais miseráveis condições.

Aquele que esvazia a mente, talvez acabe esvaziando o coração. Aquele que se veste com a armadura e se prepara para a batalha, talvez entre em confusão, mas ao lapidar sua vastidão de paixões, tenderá a chegar ao verdadeiro Eldourado de um amor tangível, concreto, visto a olho nu, mas visto apenas por aqueles que reagiram às suas provas, aqueles que mativeram combatente vigília enquanto permaneciam resilientes, altivos, com os olhos fixos no horizonte que se descortinava a cada um de seus penosos passos.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Perdoe-me a violência

Não costumo ser assim, nem gosto de radicalismos, eis a postura que cega a razão e entorpece os sentidos. Mas os tempos não me permitiam outra posição. Bastava olhar de perto para ver que a situação era bem mais grave do que muitos diziam. Com economia não se brinca, vidas estavam em risco, e o trem já estava descarrilhado. Neste cenário, o justo deve se levantar, encher seus pulmões e brandar o óbvio, para que seus semelhantes despertem da inércia, antes que a situação se torne mais grave.

É ruim ver pessoas se afastando, é ruim ser mal interpretado. Vestir uma pele de cordeiro e dizer o que todos querem ouvir é uma escolha bem mais confortável, bem mais amena, e é por isso que muitos a adotam. Não é meu caso. O preço é alto, mas quero pagá-lo. Que minha imagem se perca, que todos me isolem, que a miséria despeje sobre mim sua aridez. Continuarei com a face levantada, crendo no que creio, e aguardando o descortinar da verdade.

Sei que parece arrogância, às vezes orgulho, mas o que é o maquinista tentando conter um trem descarrilhado se não um orgulhoso? Como diria Chesterton: suficiente humilde para espantar-se e suficiente orgulhoso para desafiar. Quem é brando demais, acaba na mão do implacável. Um toque de orgulho não é só bom, é necessário, preserva a existência e nos mantém vigilantes. Levante sua bandeira, ou siga a bandeira alheia.

Não obstante tudo há de ser moderado, e parece que já gastei muito do que tinha, preciso de uma pausa para arejar as idéias, para juntar os fragmentos, enxergar o que levarei e o que descartarei. Fazer o bom e velho balanço, conter a anarquia das paixões. É hora de lapidar, deixá-los em paz, e peço compreensão, pelos excessos daqui e dali. Não era maldade, talvez um pouco de desespero, mas não fui um incauto, fui sincero, fui honesto.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Abstrato e realidade

Você precisa descer daí. Não adianta ficar no alto da embriaguez do abstrato; quem muito pensa, pouco faz. A vida é perfeita porque é imperfeita, e se ajustar às suas imperfeições é um desafio sublime. Não raro é o mais sublime dos desafios.

A realidade é uma bigorna, ela nos prende e nos puxa para baixo, frustrando nossos sonhos de cruzar o horizonte, pelo menos por hora. Entretanto ela não é cruel, ela é sábia, ela nos prepara em direção ao momento certo, ferindo-nos hoje para que nos blindemos no amanhã.

Às vezes estamos cegos, apesar da certeza de estar visualizando tudo. Vemos tanto, não vemos nada. E aí a realidade nos agarra pelo pescoço, volta nossos olhos aos cadarços dos sapatos, ordena que visualizemos os detalhes do laço que até então dávamos como bem feitos. Ilusão. Tanto a se fazer por ali, pecamos.

Não dá pra saltar além dos limites, ou você constrói uma ponte, ou constrói uma canoa, só assim que se cruza um rio. Tentar pular não vai dar certo. Vai ser um problema. Você vai se molhar todo, vai se machucar, e levará um tempo para voltar à segurança da margem.

Outros vão te olhar esquisito, nem todos se molham, nem todos se arriscam. Não adianta tentar explicar a umidez de suas calças, de seu chapéu; para o seco, o molhado é um tolo. Mas ele é um tolo mesmo. Não sabe ficar quieto. Contudo não se faz fogo sem lenha, não se faz um sábio sem tolice.

Ser sábio é ser tolo, e emendo, ser tolo é requisito pétreo da sabedoria. E de sábio todo tolo tem um pouco. Sabedoria é se molhar todo, e depois secar tudo, pra depois molhar de novo. Só não fique se molhando o tempo todo no mesmo rio, pois neste caso não se trata mais de conhecer a sabedoria, mas de se eternizar na tolice.