domingo, 28 de novembro de 2010

Acorda

Acorda, acorda, não é hora de fechar os olhos, permaneça em vigília, o trem passará ali em baixo, se você não estiver esperto ficará para trás. A locomotiva não gosta de esperar, pule e se agarre em qualquer lugar, segure firme, a velocidade é grande, os fracos não resistem, mostre-me o tamanho da sua força.

Quantas vezes terei que pedir? Acorde! Deite-se novamente e desistirei de você de uma vez por todas. Não percebe o que poderá perder com este sono? Olhe adiante, o horizonte está de braços abertos, todos querem um abraço, aproveite este, será o melhor que já recebeu, acredite, garanto a você.

Se quiser tanto dormir, vou lhe fazer uma proposta. Você não vai dormir, isso é perda de tempo, feche os olhos, apenas feche os olhos. Esqueça as luzes, as pessoas, o dia seguinte. Pense em você, entre na dimensão “você”, concentre-se, saboreie o seu pensar, sinta o poder que tens, ele pertence a você, não sei por quanto tempo, mas hoje ele é seu.

Controle seu universo, seja seu senhor, seja sua realidade, flutue. É hora de levantar seu acampamento no topo das montanhas da imaginação, aproveite estas férias, elas durarão o tempo que você desejar. Sorria, tudo que tens para sorrir. Chore, tudo que tens para chorar. Sinta, tudo que tens para sentir, e um pouco mais, sinta a brisa das montanhas, sinta a amenidade de sua alma se fixando, paz.

Não se esqueça desse lugar, ele estará ali, sempre que precisar olhar para si. Abra os olhos, é o sinal, a locomotiva passará, você está pronto, eu sei que está, é agora! Pule! Agarre! Segure! Suporte o início, será o período mais hostil, ultrapasse-o, vença!

Lembre-se, várias locomotivas passarão, cada pulo será uma experiência, e cada experiência lhe deixará maior. Quando achar que não vai conseguir, volte para as montanhas, tudo ficará bem. Basta fechar os olhos.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O cárcere de Ivan

As muletas descansam sobre o sólido banco do calçadão, onde um olhar cansado e melancólico observa o caminhar esbelto dos pedestres, e ao mesmo tempo relembra os tropeços do passado conturbado. Em vigília dos automóveis a sua frente, espera o tempo passar, e conta as poucas moedas que ajunta ao longo do dia com esmero.
José Roberto da Silva, 46, “cabeludo”, “perneta”, “aleijado”, ou apenas Ivan, como gosta de ser chamado, não por um propósito ao certo, mas na rua ninguém possui nome fixo, da mesma forma que a vida varia, os nomes variam. Talvez o nome de batismo de rua até se enquadre bem, Ivan, de origem russa, fiel, carinhoso. Era assim que ele era em Itapipoca, cidade do interior, a 135 quilômetros de Fortaleza. Logo ao nascer, já sentiu a primeira angústia, ao ser condenado à morte pela avó, que não aceitava o bebê originado de um adultério. O pai, casado, se envolveu com uma garota, sua mãe, essa fugiu para Sobral após o nascimento do filho, na conservadora Itapipoca não dava mais. O pai o abandonou.
O menino cresceu com a avó, que acabou o acolhendo, até os dez anos, quando essa faleceu, teve que arrumar suas malas, iria para Fortaleza, morar com a tia no bairro Jardim Iracema, pouco a pouco ela virava sua nova mãe, que mais tarde se casaria com seu novo “pai”. Bons tempos tomaram sua jornada. Gostava de jogar bola e brincar pelas ruas com os amigos, até a hora que a nova mãe chegava a casa, quando ele corria para pegar a vassoura e deixar tudo limpinho. Disciplinado, prestativo, um bom garoto.
A escola ia bem, a nova mãe zelava sempre pelos estudos, queria ver o “filho” vencendo na vida, já o “pai”, alcoólatra, nunca daria um lápis para o menino, gostava mesmo do trabalho, do dinheiro surgindo na hora. Não demorou muito para Ivan começar no batente, oficina de carros, trabalho duro, porém honesto, ajudava nas despesas da casa e ainda ficava com um pouco, nada demais.
A adolescência era como a de qualquer um, agitada, cheia de novidades, mas sempre focada e trilhada de maneira próspera. Isso até o momento em que os problemas começariam, as drogas. Ivan nunca gostou daquele mundo, ficava de fora, sabia até dos riscos, mas seu chefe no trabalho não se importava muito, era o dono da oficina, dependente da maconha, todos os dias. Pouco a pouco o garoto de 16 anos era convencido a se libertar, ou melhor, a se encarcerar, a romper a película da sabedoria e se entregar à ilusão das drogas, e assim aconteceu.
Abandou os estudos no ensino médio, faltava pouco para se formar, caiu na obscuridade, trocou suas companhias, passou a ser um freqüentador assíduo da noite. Mesmo assim conseguiu trabalho, virou sapateiro e até se casou com 19 anos. Teve seu primeiro filho, Felipe Matias.
Mesmo com as drogas e a noite, ele conseguia levar sua vida e sustentar sua esposa e seu filho, e quando tudo parecia calmo e constante, eis que surge o crack. O crack aprisiona, escraviza, derruba tudo, a família, o trabalho, os sonhos. Traiu sua mulher, saiu de casa, foi para a rua, nunca mais viu o filho.
Casou-se de novo, agora com uma menina, apenas 12 anos, teve mais três filhos, Lucas, Luan, Luana. Morou com a nova família por um bom tempo, mas a droga sempre foi mais forte, não trabalhava, era dependente, deixou novamente sua casa.
Ivan vagava pelas ruas, com nada nos bolsos, pouco na mente além do vício pelo crack, chegou à beira-mar. Aquele ponto nobre da cidade oferecia muitas formas de se manter, conheceu o dono de uma fileira de vagas de estacionamento, teoricamente deveriam ser públicas, mas não é assim que funciona na rua. Começou a trabalhar de flanelinha, tirava 20 a 25 reais por dia, 30 a 40 quando lavava os carros.
A lavagem sempre rendia um dinheiro a mais, isso o motivava, e foi lavando um carro que sofreu um corte em sua perna, no começo parecia algo passageiro, não renderia muitos problemas, mas a falta de cuidado agravou a situação, a ferida foi infeccionada, tomou toda sua perna, as consequências foram graves. O movimento estava prejudicado, passou a usar muletas e uma faixa para esconder o corte profundo.
O cabeludo continua na luta, com o pouco dinheiro que consegue, se alimenta, compra medicamentos e continua no crack.
“Eu queria sair, mas não consigo, é muito difícil, às vezes eu tô aqui e chega o pessoal oferecendo, ai você acaba indo. Queria voltar pra casa, mas não dá, quem vai querer um drogado, vagabundo? Eu queria deixar essa vida, queria ver meus filhos de novo, ter um lugar pra morar...”
Deixar as drogas e ter um lugar para morar, um “barraco”, como ele mesmo diz, apenas isso ele pede, apenas isso ele precisa. Por enquanto passará as noites ali, no banheiro da lanchonete, onde espera a vida passar e pensa no que o futuro pretende oferecer.

José Roberto da Silva, 46 anos, pai de quatro filhos, ensino fundamental completo, assistente de mecânico, sapateiro, dependente químico, deficiente físico, flanelinha, lavador, carinhoso, brasileiro, Ivan. Ele não nasceu na rua.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O infortúnio


Olhares discriminam a dor do caminhar sem tempo, sem direção, da fuga incessante que não encontra abrigo, do chão do amanhecer frio e solitário. Por quê? Esclareça para o garoto, qual seria o real sentido de tudo, do obscuro, do infortúnio. O rompimento da película do além para este mundo foi no mínimo um choque, terreno hostil, sem volta, sem chance.

Traçamos nossas vidas com esmero, encaixando as peças em seus devidos lugares, vencendo os obstáculos e enxergando o futuro com entusiasmo, deitamos, pensamos, olhamos para o teto do quarto, de bruços as paredes parecem mais próximas, tudo está delineado, firme, protegendo os espaços de nossa estadia. É possível ouvir o sussurro do chuvisco, que nos conforta e amansa a mente.

O garoto está lá fora, escolheu um lugar diferente da noite passada, não que a intenção seja variar, não há nenhuma intenção, a não ser da que o move naturalmente, em linhas tortas, nos cambaleios das vias. O sono demora a chegar, o corpo já nem reage aos gritos da fome, essa vai perdendo a voz gradualmente.


O que fizeram os infortunados? Algo grave por sinal, para merecerem pouco, e ao mesmo tempo tanto, tantas provas, tantos desafios, sentidos na pele, no corpo, no calor da longa caminhada da vida, de muitas quedas e muitas moedas. Seria o pagamento de uma pena? Seria um treinamento para eternidade?

- Amigo, por favor, deixe-me tirar uma foto sua.
- Pra quê? Entrevista? Eu não sei de nada! Não tenho nada a ver!

O peso da angústia é infernal por si só, imaginemos juntado ao medo, ao cansaço, ao abandono. Grande expiação. Devo me lembrar sempre no momento de minhas inclinações, de meus deslizes emocionais, todo o universo destes indivíduos, pois nenhum extremo seria melhor para reflexão de minhas necessidades impulsivas e chulas.

Acalmem-se, sempre estivemos aqui com vocês, a realidade está próxima, vamos lhes mostrar.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Previsão do equilíbrio


Poucos chegam ao patamar do equilíbrio. O estado onde a razão, a perspicácia e a argúcia de espírito conduzem o ser de maneira sábia e proeminente. Percebemos num mesmo espaço indivíduos que saborearam a grande conquista do balanceamento vital, em contraste com outros que por pura preguiça, ou covardia, como afirmaria Kant, nem chegam perto de tal posição, tomados por suas paixões e emoções desregradas. Da mesma forma poderíamos analisar as sociedades analogamente, das emergentes até as industrializadas.

A grande expiação de como nos portar diante das diferenças designadas pela vida terrena evidencia o quanto devemos ser flexíveis e compreensíveis diante dos mais variados contextos e relações pessoais, caso contrário, naufragaremos em ilusões e devaneios causados pelo senso limitador de nossas interações exteriores.

A demarcação dos grupos humanos no atual contexto se pauta em gradual decadência. A aproximação dos seres mais distintos evidencia uma pluralidade que invade intensa e agradavelmente as novas gerações. A guerra e a violência nunca estiveram tão condenadas, e o trânsito dos povos por todo o globo evidencia a ascensão do cosmopolitismo, ainda em estado fetal.

Quero deixar claro, que para o atual e futuro cenário, a tirania encontrará cada vez menos espaço, e o progresso beneficiado pela eficiente ordem, como defenderia Comte, se encontrará em estados mais acelerados do que a normalidade. Não seria utopia a tutela de meus pensamentos, pois estarei constatando fatos racionalmente direcionados pelo positivismo.

As nações que anteriormente eram regidas pelo consumismo alavancado, demonstram o futuro idêntico que os atuais países emergentes viverão em períodos posteriores, explanando-se no equilíbrio político, econômico e social. Enquanto os retardatários usufruirão de um processo mui diferente de ascensão, tomados pelo envoltório tecnológico. A evolução está com pressa, e ao mesmo tempo em que as civilizações tomam novas formas, o intelecto das massas se posiciona autonomamente, priorizando a preservação das outras formas de vida que nos cercam, conscientes da interligação entre todas as criaturas e a dependência internatural.

O caminhar do ser-humano fascina, e o imaginar da continuação desta história me enche de entusiasmo. Períodos turbulentos foram superados, novos desafios são previstos, da mesma maneira em que novas posições e aspectos do homem são exigidos. Prepare-se o quanto antes, pois o palco da vida trará novos espetáculos.