sexta-feira, 26 de maio de 2023

O resgate do conteúdo sem dopamina

Desde que as redes sociais visualmente atraentes se consolidaram, temos a impressão de que a velha leitura tem tido cada vez menos espaço. É verdade que livros ainda são vendidos e muitos gostam de passar mais de uma hora lendo textos, porém é inegável o espaço avassalador conquistado pelas imagens e vídeos. Eu mesmo sou muito adepto dos vídeos, inclusive sou assinante do YouTube Premium, modalidade de serviço para quem não quer ver comerciais durante o uso da plataforma, além de outras vantagens interessantes.

Apesar de ter me adaptado como consumidor destas grandes plataformas, sempre me senti um pouco desajustado pela quase extinção do “conteúdo denso”, essa coisa geralmente escrita que exige tempo, paciência, processamento e reflexão. Como uma pessoa que gosta de tanto ler como escrever, é um desconforto ser obrigado a se ajustar nas limitações de caracteres das redes sociais. Por esta razão é tão prazeroso ter um blog. Apesar de praticamente não ter visibilidade, poucas coisas parecem ser tão saudáveis para alma do que a possibilidade de se expressar livremente por meio das palavras escritas.

Não sei como o leitor se sente, mas sou daquelas pessoas que precisam se expressar de alguma forma, e a forma que melhor me conforta é a escrita. Na verdade, tenho a sensação de que todos os seres-humanos necessitam de alguma forma expressar o que sentem e o que são, entretanto, esta coisa pode ser feita de variadas maneiras: pela pintura, teatro, música, gastronomia, esportes, trabalho e até, pasmem, pelo falatório de um bar estimulado pelo consumo de álcool ou qualquer substância com poderes de desinibir os indivíduos. Provavelmente algum psicólogo já falou sobre isso, deve haver alguma teoria por trás da ideia de que pessoas sem canais de livre expressão podem apresentar uma série de problemas psíquicos que tendem a se tornar um grande mal.

Seres vivos – e aqui falamos de humanos – carregam um ímpeto vital que os empurram para a ação e a comunicação. Não adianta você querer ficar parado, inerte, recusando viver. A vida lhe empurra, e não aceitar este empurrão é como optar por um vagaroso processo suicida. É proibido ficar parado. Como costumo pensar e dizer: mesmo que você não saiba o que fazer, faça alguma coisa. Movimente-se. Tenha apetite pela vida, por caminhar, aprender, crescer, e se aventurar. Você já está aqui, mergulhe no turbilhão da existência e encontre seu caminho.

Expressar-se é uma consequência natural daquele que abraça a vida, daquele que deseja viver. E para aqueles que preferem se expressar de forma mais densa, este mundo que se tornou demasiado superficial se torna um desafio. Mas abraçar desafios também faz parte da aventura. Outro dia uma pessoa participando de um longo podcast disse que estava surpresa com a audiência deste modelo de conteúdo, acreditando que sim, há espaço para longas horas de diálogos sobre assuntos complexos. Esta observação me fez enxergar o cenário com mais otimismo, imaginando que talvez um dia muita gente se canse do hiper estímulo das redes e procure um conteúdo mais lento e denso como este simples texto. É verdade que cada modalidade tem suas vantagens e desvantagens, mas espero que possamos nos recordar dos incomparáveis prazeres de uma boa leitura além das tempestades dopaminérgicas das redes sociais.

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