Neste tempo, mergulhei principalmente no que
chamo de “esquerdosfera”, todo o universo de interpretação dos fatos sociais e
históricos sob a ótica da esquerda política e acadêmica, que entendo como tendo
sua grande base fundamentada por Marx e Rousseau. Este é o caminho natural de
qualquer jovem que se interessa por entender a grande estrutura social em que
vive, e é por isso que a grande maioria das pessoas que mergulham um pouco no
assunto se tornam o que chamaríamos de “esquerdistas”. A interpretação do mundo
pela ótica destas ideias é extremamente atraente, simples de entender e
fornecedora de muitas respostas. E como queremos respostas quando estamos
curiosos!
Após este período de iniciação passei a me
sentir muito seguro sobre vários assuntos e estava mergulhado em idealismo.
Porém não é da minha personalidade se acomodar na “segurança”. Aproveitando o
primeiro ano na faculdade de economia, passei a me interessar por pensadores
que atacavam frontalmente o que eu acreditava, afinal eles deveriam existir,
não é mesmo? Foi então que conheci os liberais, cheios de argumentos e ideias
muito interessantes que colocavam em dúvida tudo que acreditava. De repente
Marx e Rousseau não eram tão grandes assim, e Adam Smith e Hobbes passavam a
chamar muita atenção.
Eu poderia passar horas escrevendo sobre todo
este conflito de ideias que passei a viver nesta época, mas este não é o
assunto do texto. O ponto importante foi que nesta época eu me deparei com uma
ideia muito marcante encontrada na mentalidade de muitos liberais, mas de um em
especial, Friedrich Hayek, que não era nada mais que uma simples constatação: o
conhecimento está disperso na sociedade e indivíduos sabem pouco, muito pouco.
Este pensamento foi um meteoro na minha jornada
de compreensão do mundo. Colocado da forma acima, parece simples, mas na
verdade ele traz uma série de reflexões sobre o mundo moderno e a “pretensão do
conhecimento”, como o próprio Hayek chamava, chegando a escrever um livro intitulado
“A Arrogância Fatal”, que em outras coisas descrevia como políticos e
planejadores sociais tentavam solucionar os problemas humanos e sociais e quase
sempre fracassavam em suas empreitadas, não apenas não solucionando os
problemas, como os agravando.
E Hayek não era qualquer pensador, era um
ganhador de Prêmio Nobel de Economia. Nada mais nada menos que um vencedor de
Prêmio Nobel tinha como uma de suas grandes mensagens, em outras palavras, o
seguinte: nós não sabemos nada! É claro que ele não queria dizer que não
sabemos nada literalmente, o que ele queria dizer é que vivemos em um mundo
complexo, e muitas das ideias decoradas de sofisticado racionalismo não são
mais que especulações ou uma parte muito superficial do conhecimento de
determinado assunto. Hayek enxergava em nosso tempo uma certa arrogância, uma
tendência irresistível das pessoas em querem ser especialistas em assunto que
nem os especialistas dominam completamente.
Partindo desta premissa, passei a perceber que aquela
máxima popularmente conhecida fazia muito sentido: “quanto mais busco o saber,
menos sei”. Ao analisar os assuntos que me dispus a me aprofundar durante toda
a minha vida, percebi que quanto mais adentrava naquele campo, mais me sentia
ignorante, mais me sentia inseguro sobre a verdade e a exatidão dos fatos.
Neste caminho, algo solidificou ainda mais esta ideia em meu íntimo: o estudo
da estatística, matéria obrigatória nos cursos de economia. Ao entender como os
estudos, pesquisas e levantamento de dados são feitos, ficou ainda mais claro para
mim como tudo é tão frágil, tão aberto a interpretações e manipulações, e como
nossa sociedade neste século XXI se tornou um show de horrores estatísticos com
pessoas de todos os tipos usando dados soltos sobre determinados assuntos para “provarem”
seus pontos e posarem de detentoras do conhecimento.
Mais recentemente fiquei estarrecido com a
pandemia de Covid-19 que transformou a “ciência” em uma ferramenta de embate
político. Milhares de pessoas que mal sabem descrever o que é ciência e método
científico, passando a dizer que “acreditam na ciência”, como se a ciência
fosse uma fonte de respostas seguras e imutáveis que devem ser assimiladas e
aceitas sem questionamentos. Que sacrilégio. Ora, a grande característica da
investigação científica é justamente o ceticismo, a insegurança, a cautela nas observações
e processamento dos dados. A ciência é tudo de incerteza e praticamente nada de
segurança. Conclusões científicas seguras somente são consideradas seguras após
um grande período de aceitação unânime, e ainda assim qualquer cientista
minimamente honesto sabe que a mais segura das conclusões pode ser desafiada,
questionada e refutada, e foi assim que a ciência se desenvolveu durante seus
séculos mais nobres em nossa história. Como uma grande arena de batalha, em que
visões aceitas eram refutadas e substituídas do dia para a noite. A
instabilidade e a imprevisibilidade foram as bases do modelo científico
moderno, e foi justamente seu caráter incerto que o tornou alvo de ataques por
parte daqueles que desejavam um mundo estável baseado nos preceitos e tradições
religiosas.
Então como, diante de todos esses fatos, políticos
e pessoas aleatórias sem nenhuma formação científica passaram a dizer que “apoiam
a ciência”? Ora, se você apoia a ciência você apoia a incerteza! E não apenas
isso, em geral o que observo em nossos dias é uma pretensão do conhecimento implacável
a avassaladora nos mais diferentes campos: nutrição, fármacos, atividades
físicas, psicologia etc etc. As pessoas hoje em dia estão achando que
encontraram as respostas para tudo e que uma está mais certa que a outra.
Parece um grande hospício de senhores e senhoras certezas.
Entendam: vocês não sabem de nada! Este mundo e
a maioria dos assuntos que vocês discutem é extremamente complexo, as variáveis
são muitas, a previsibilidade é quase inexistente, e este é o mundo como ele é.
Este lugar incerto que está mais para uma grande aventura, cheia de surpresas
que moldarão seu caráter em questão de horas. Libertem-se! Libertem-se da
pretensão do conhecimento! Tirem este fardo de suas costas e vivam uma vida
leve! Sejam humildes! Abracem o desconhecido! Digam para si mesmos: eu sei
pouco, muito pouco, e está tudo bem!
Como é libertador aceitar a imensidão de
variáveis desde mundo, do ser-humano, das sociedades humanas, da biologia, da
química, da história, da psicologia, da astronomia. Como é fascinante saber tão
pouco e poder investigar os fatos sem querer uma resposta final para tudo. A
vida é uma grande incerteza, e é nesta incerteza que nos entregamos e mergulhamos
na maravilhosa obra do criador. Se ele quisesse que soubéssemos tudo,
provavelmente nos faria diferentes, não tão pequenos e limitados.