O problema
desta lógica é que ela parece partir de uma impressão de que o mundo é mais ou
menos estável e, portanto, nada de surpreendente ou muito inesperado deverá
acontecer. Mas a verdade é que este mundo, assim como esta vida, são
consideravelmente imprevisíveis, principalmente no século XXI. Hoje nos
deparamos com mudanças aceleradas, todos os dias novas informações, tecnologias
e descobertas surgem, deixando-nos um pouco deslocados ante a ausência de um
solo firme onde podemos nos sustentar por um longo tempo.
Uma grande
mudança que nunca nos prepararam para lidar foi a ascensão imponente e
definitiva de uma vida complexa amparada pela popularização da internet e,
consequentemente, dos eletrônicos que a operacionalizam, como os smartphones.
De repente passamos de uma realidade moderadamente complexa para uma realidade
hiper-complexa. Aplicativos, redes sociais, sistemas, ferramentas de
comunicação, globalização etc. São vários os elementos que inundaram nosso
cotidiano até o cenário atual, e não, nós não estávamos preparados para isto.
Testemunhamos
uma escalada do estresse, da ansiedade, da agitação mental e da frustrante
sensação de que temos tudo, mas não temos nada, de que somos privilegiados, mas
ao mesmo tempo amaldiçoados, de que somos como o Smeagle de “Senhor dos Anéis”,
fascinados com os poderes do anel, mas sem perceber o mal que nos faz. Ficamos
perdidos neste mar de novidades. E nosso cérebro, coitado, está muito longe de assimilar
tudo, até porque talvez nem seja possível.
Nossa
incapacidade de lidar com tanta complexidade nos deixa angustiados, pois
pensamos que somos os únicos a estarem assim, acreditamos que talvez sejamos
incapazes, pois todos que observamos ao redor parecem estar muito bem, mas isto
não é verdade. Os níveis podem ser diferentes, mas no geral estamos todos
hiper-estimulados, hiper-agitados, e consequentemente cansados. E este não é um
cansaço banal, é um cansaço que nos paralisa, nos esgota, e nos dá a sensação
de que o prazer das coisas simples fora afastado. Caímos em uma espécie de
embotamento, e por mais que tentemos, não é tão fácil sair dele.
Mas não
desanime, não pense que as coisas podem ficar assim para sempre, pois seu poder
de reverter este processo continua aqui. Sabe quando seu quarto está totalmente
bagunçado e parece não haver esperança para que as coisas sejam colocadas em
ordem? Você pode até procrastinar para organizá-lo, mas sabe que à medida em
que começa a colocar cada item em seu lugar, as coisas passam a acontecer, e
sua capacidade de reverter o processo é real. O quarto bagunçado incomoda e nos
entristece porque a complexidade nos pesa, tudo está fora de lugar, não há
ordem, não há previsibilidade, a vida fica caótica e improdutiva. Quando
passamos a organizá-lo, é como se contra-atacássemos o caos com um choque de
ordem, ou melhor, de simplicidade. Perceba, quanto mais organizado um ambiente,
mais simples ele parece que é. A simplicidade nos traz leveza, tranquilidade e,
sem o incômodo do estresse de uma bagunça, sentimo-nos livres.
A sua mente é
como um quarto a se manter organizado: quanto mais elementos e agitação, mais
difícil de processar e colocar cada coisa em seu lugar. Imagine, por exemplo,
as pessoas que logo que acordam, abrem os stories ou o reels do Instagram e em
um espaço de cerca de 5 minutos são bombardeadas com uma variedade indescritível
de imagens, sons, cores, questões, que ativam de repente diferentes áreas do
cérebro que tinham acabado de “descansar” ao longo da noite. Esta pessoa
começará o dia com um nível de caos mental que deixará tudo mais difícil para
ela nas próximas horas, fazendo com que tarefas e questões simples se
transformem em fontes de irritabilidade e insatisfação, dando a ela a impressão
de que é incapaz, nervosa e “não ajustada a este mundo”. Esta prática ao longo
de semanas ou meses podem facilmente conduzir uma pessoa saudável a cenários de
transtornos mentais que farão de sua vida uma experiência muito mais
complicada.
É claro que o
exemplo do uso de rede social de amanhã é só um em meio a tantos outros que
temos hoje em dia com a ascensão dos smartphones, sendo que o ponto principal
que trago é que nós temos que ajustar nossa capacidade humana a esta nova
situação civilizacional. Nossa capacidade de processamento é limitada! E
atualmente a diversidade de elementos sensoriais ao nosso redor é mais que
suficiente para que fiquemos loucos. Isto não é uma bobagem, é algo muito sério
que está destruindo vidas, e precisamos racionalizar esta realidade. Quem não
souber auto simplificar sua vida, pode até viver muito fisicamente, mas terá
uma longa existência de sofrimento sem conseguir disciplinar seus próprios
pensamentos.
Use menos
celular, não abuse de filmes e séries, priorize atividades na natureza, aprenda
a se desligar, pratique higiene mental, saiba o seu limite de absorção de
informações para ficar bem, evite noticiário, se política lhe fizer mal,
evite-a também, pratique esportes por prazer e não para as redes sociais,
afaste-se de atividades muito artificialmente dopaminérgicas, e lembre-se, se
você achar que está perdendo informações muito valiosas ao se desconectar,
ignore, isto é falso, você não tem que saber tudo que está acontecendo no
mundo. Há milhões de coisas acontecendo, você não foi criado biologicamente
para processar tudo isso, e sim para processar suas ações individuais e
cooperar em comunidade com seus semelhantes mais próximos. Você faz mais
colocando o lixo para fora do que assinando um manifesto contra a caça japonesa
de baleias do Pacífico.
Faça um teste,
vá para algum lugar afastado da cidade, em meio à natureza, pode ser na praia,
no campo ou na montanha, fique pelo menos 24 horas sem internet. Se você não
conseguir fazer isso, se sentindo angustiado, provavelmente está doente. Então
antes de achar que tem problemas psiquiátricos, tente limpar e simplificar sua
vida, uma simples mudança de hábitos na forma como você permite que o mundo
exterior acesse seus pensamentos, pode lhe poupar de longos tratamentos e
ideias confusas sobre você mesmo.
As melhores
coisas da vida somente são percebidas quando estamos com nossas mentes limpas
para enxergá-las. Aqueles muito submersos no caos das distrações humanas acabam
perdendo o espetáculo que passa diante de seus próprios olhos, verdadeiros
prazeres que são ignorados por aqueles que estão soterrados nos prazeres da
artificialidade, que sempre nos dão uma rápida ilusão de bem-estar, mas que
logo se revelam sensações destrutivas que não nos levam a lugar algum.
Simplifique para enxergar, e enxergue para ser livre.
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