sábado, 22 de agosto de 2015

Politicamente correto

Francis permanecia ao centro do elevador ao som de música suave, observando a mudança de marcação dos andares e aguardando sua chegada ao térreo. Era uma sexta-feira, dia de happy hour, ele não era de muitos amigos, seus colegas pouco apreciavam uma bebida ao fim do expediente, alguns muito focados no trabalho, outros indo para casa com pressa para encontrar a família. Deixou o prédio e sentiu a friagem em sua face ainda aquecida, não queria a solidão de seu apartamento ainda, resolveu andar pela cidade. Observava as pessoas, perguntava-se o que as moviam, quais eram seus objetivos, seus hobbies, do que gostavam de conversar? Imaginou, apreciou, ignorou e seguiu adiante.

Andava em bom ritmo até que de relance viu uma grande janela de vidro à sua esquerda, percebeu que era um bar, o movimento era bom, mas ainda estava bem vago. Adentrou o local e resolveu tomar algo para pensar em frivolidades que provavelmente esqueceria no dia seguinte.

- Whisky com gelo por favor. – cumprimentando o barman com olhar amigável.

Tomava sua bebida a goles lentos no balcão enquanto observava do outro lado uma moça, tinha o cabelo curto até a metade do pescoço, usava uma blusa azul marinho com os ombros à mostra, o sorriso não era tão deslumbrante, mas tinha um charme contido muito atrativo. Observava como um homem a abordava. A figura, mais jovem que ele, parecia conhecer seu terreno e o que fazia, arrancava risos e desconcertava a moça. Francis notava como ela mexia as mãos, apertava os dedos entrelaçados como quem tenta se retrair, mas um ar de entusiasmo poderia ser percebido em seu olhar e suas expressões.

Após poucos minutos o rapaz parecia ter convencido a moça a sair dali, como alguém encarregado de fazer aquilo por excelência. Os dois se levantaram e ela se preparava para pagar o que consumira quando o rapaz interveio e pagou ele mesmo. A moça ficara desconcertada, mas bastaram algumas palavras gentis para que aceitasse a interferência de sua nova companhia.

Francis observava e tentava entender porque não tinha a mesma desenvoltura com as mulheres, o porquê de até aquele momento ele não se considerar realizado neste campo da vida. Não que fosse algo necessário, não que ele precisasse daquilo, é verdade que por vezes imaginava como seria uma vida a dois, mas nada que o colocasse em estado de sofrimento, sua curiosidade era acompanhada de indiferença. Lembrava que os relacionamentos que tivera não foram tão excitantes como se imaginava, eram experiências agradáveis, mas ele sentia que não sabia fazer aquilo, todo esse negócio da conquista, da sedução, da presença masculina, tudo isso parecia um hostil campo de provas para ele. Era um homem contido, moderado, muito prudente antes de tomar qualquer decisão, preocupava-se com o que pensariam dele e tentava andar na linha da figura exemplar de um homem que se pode confiar. Sujeito de bom coração, embora aprisionado em seu próprio cárcere de boas condutas.

Já estava prestes a terminar seu drinque quando um leve tapa em suas costas o surpreende:

- Fala Francis! Happy hour da solidão?

- Solidão é bom para pensar Markus.

- Você não tem família cara, pode pensar durante o final de semana inteiro. – Chamando o garçom com um rápido aceno.

Markus entrou na empresa naquele mesmo ano, acabara de concluir uma pós-graduação em finanças e ser contratado em função de seu destaque em uma corretora de valores. Completara trinta anos e aparentava exatamente trinta anos, tinha um ar de autonomia e uma firmeza em seus gestos, fazia questão de roupas elegantes, não pensando nos outros, ele apenas se sentia bem assim.

- Você também não tem família novato, vai voltar pra casa da sua mãe no fim de semana? – Disse Francis com ironia.

- Bem que eu queria, mas tenho planos a partir de hoje. – Olhou para o canto do bar onde duas mulheres conversavam e se divertiam, demonstrando a Francis aonde iria.

- Hum, já entendi. Duas? Precisando de alguém pra completar o grupo? – riu com discrição.

Markus abriu um sorriso, colocou a mão no ombro de Francis e disse como quem tenta consolar um adolescente frustrado:

- Fran, Fran... Essa aí vai encontrar o namorado assim que saírmos daqui, mas mesmo que estivesse solteira, eu teria que pensar muito antes de colocar sua locomotiva naqueles trilhos.

- O que quer dizer?

- Eu não gosto de constrangimentos.

- E por que isso seria um constrangimento?!

Markus se aproximou de Francis e disse:

- Francis, você é um grande homem, ninguém tem dúvidas disso, basta ver como te tratam e te respeitam na empresa. Mas aquela ali é a Júlia, Júlia não está solteira, mas se estivesse, você pode ter certeza que ela teria mais de uma opção de escolha caso quisesse se envolver com outro homem de novo.

- Não peguei seu ponto. – Olhar intrigado.

- Entenda, existe um mercado, você entende bem sobre mercados, não é? Pois bem, para se destacar no mercado você precisa de competitividade, ser diferenciado, colocar na cabeça de seu cliente o por quê de seu produto ser a melhor opção. O que acontece quando seu cliente não tem muitas opções?

- Ele escolhe meu produto e eu tenho o poder da barganha para colocar minhas condições.

- Exato! E se o cliente tiver muitas opções você vai ter que suar a camisa! Você precisa de um diferencial. Cara, a Júlia é uma mulher linda, inteligente, gentil, toca até piano! – colocou as mãos sobre o balcão dedilhando como quem toca um teclado. – Se ela estivesse solteira, no dia seguinte haveria dez caras no pé dela. Eu sei que você entende muito sobre o mercado de cabos de cobre para redes elétricas, mas eu tenho que ser sincero com você, no mercado dos relacionamentos você conseguiria apenas o cliente sem opção.

Francis olhou desconcertado como quem resiste às considerações de um jovem. Pensou um pouco e falou:

- E por que você chegou a essa conclusão?

- Fran, você é muito...er...bonzinho.

- Ahh, não vem com essa senhor tutor do amor. – Recusando a conclusão de Markus.

- Vai dizer que você não pisa em ovos quando está com uma mulher? Vai dizer que você não fica ensaiando o que vai dizer antes de encontrá-la? Vai negar que você deixa ela dividir a conta do jantar com medo que ela te ache machista por pagar a conta? Vai negar que você segue todas as regras de boa conduta se aprisionando no medo de fracassar?

- Bem, não é tão assim...

- Seja honesto consigo mesmo Francis, você tem que sair do politicamente correto, até a mais ética das mulheres gosta de uma sacanagem.

- Meça essas palavras.

- Viu só?

- Viu só o que? – Francis finge não entender.

- Eu que sou seu colega já estou entediado conversando com você, imagina uma mulher pensando se ela pode ou não te considerar um cara decente para o futuro. Não seja tão previsível Fran, mulheres não gostam disso, mulher gosta do cara que paga a conta, que banca o final de semana, que demonstra controle sobre a situação e surpreende nas ocasiões mais inesperadas. É uma mistura de poder e perspicácia.

- Cara, eu discordo completamente, bancar o final de semana? Nós estamos em 2015 meu caro, isso já passou, as mulheres são independentes.

- Fran, Fran, suas palavras só confirmam sua ingenuidade. Esse papinho é o que a sociedade quer que você acredite, é o que foi te ensinado na escola desde que você era um adolescente, a realidade é completamente diferente!

- Eu sempre dividia as contas com a Amanda. – Disse Francis como quem prova o contrário.

- Onde está a Amanda agora?

- Não sei, acho que vai casar com um fazendeiro do interior...

Markus se debruçou no balcão e observou Francis pensando sobre o que ele mesmo dissera.

- Ah cara, isso não tem nada a ver.

- Fran, toda essa onda progressista do século XX tentou convencer a sociedade de que a mulher é uma figura altamente autônoma e livre de todo passado conservador em relação aos relacionamentos. Aos poucos fomos educados a conversar com as mulheres como verdadeiros cirurgiões da comunicação, temos que ter cuidado com cada palavra como se um pequeno deslize fosse motivo de escândalo e constrangimento eterno perante a sociedade. Você, Francis, é o resultado do século XX, um homem sem sal, sem graça, preocupado com todo o estatuto do politicamente correto. Você é o tipo do cara que vai receber elogios de todas as colegas de trabalho, da ativista feminista da faculdade, da mocinha rebelde de calça furada no metrô, vai ganhar um monte de curtidas compartilhando o vídeo fofo do Duvivier, mas no final das contas meu amigo, você será isso que estamos vendo, uma alma solitária em plena sexta-feira se perguntando porque nenhuma mulher te olha como olha o cara ao lado. Vai ficar achando que o mundo é cruel e injusto, que um homem bom que nem você merecia mais, vai ficar cada dia mais chato e quando se deparar com um playboy cercado de mulheres vai se roer de inveja e condená-lo por não ser tão virtuoso e moderado como você. Aos poucos se tornará um arrogante e se fechará deste mundo em sua solidão, que nada mais é do que a falta de coragem de encarar a realidade como ela é.

- Porr* Markus!

- Sai dessa Fran, rasga este estatuto de boa conduta e encara a vida com naturalidade, você não precisa virar um fanfarrão, mas deixe sua personalidade transparecer meu amigo. Nada como uma dose de espontaneidade em um cara já capacitado como você. Pega aqui meu telefone, amanhã vamos sair, vou te ensinar a arte de falar baixaria sem perder a classe.

- Não sei não...a última vez que tentei ser espertão levei um empurrão e caí na poça d’água.

- Então teve baixaria de sobra, você só esqueceu a classe! – Disse Markus gargalhando.

Cada um seguiu seu caminho.

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