quarta-feira, 20 de abril de 2011

O Médico, o monstro, a psicanálise


O conto “O Médico e o Monstro” do escocês Robert Louis Stevenson (1886), desperta reflexões profundas sobre a relação de conflito existente no inconsciente humano. Na pauta deste conflito está a natureza, ou seja, a base instintiva natural ao indivíduo, proveniente de suas constituições biológicas e psíquicas logo ao nascer, e do outro lado, está a cultura, os desígnios sociais, e todas as interferências externas que regem seu estilo de vida, auxiliando-o em seus atos e decisões de forma civilizada.
No centro da ficção está o célebre doutor e professor Jekyll, um homem de conceituada posição dentre a alta sociedade britânica, sempre austero, e ao mesmo tempo bondoso e carismático. O médico, regrado e sempre alinhado com os parâmetros morais de sua vida social, passa por situações onde seus instintos mais obscuros são retidos de forma abrupta, perturbando sua mente ao ponto de gerar um conflito calamitoso de identidade e serenidade.
Eis que o estudioso anuncia seu projeto de desenvolver uma fórmula capaz de dividi-lo em dois, separando seu eu social, de seu eu natural, selvagem e desmedido, condição que, segundo ele, habita o inconsciente de todos os homens, tese que se tornou grande base para os estudos de Sigmund Freud no campo da psicanálise. A idéia tornou-se motivo de piada entre a comunidade acadêmica, porém, Dr. Jekyll honrou sua palavra e teve sucesso em suas experiências, fazendo despertar sobre seu corpo a imagem de um homenzinho desajeitado e espalhafatoso, capaz de disseminar suas condutas criminosas de forma tão natural que se acreditava ser ele a real figura do mal, estava ali, a divisão entre os dois extremos humanos.
Paramos para compreender a situação de Jekyll, analisando suas condições sociais, onde os instintos da agressividade e sexualidade são estreitamente censurados por uma sociedade moralista e racional, que apesar de assim se apresentar, não pode evitar os reais sentimentos do inconsciente humano quando se tratando de liberação de suas vocações animais. Nesta situação de transferência psíquica, uma cultura imposta desde o início da vida do indivíduo, ocupa um espaço de grande notoriedade na designação de suas condutas, tornando-se uma prótese, ou seja, algo que falta à essência animal do ser, fazendo com que ele se comporte de maneira compatível à marcha do progresso de seu meio, seja uma grande nação ou uma pequena aldeia.
Estando inserido num desses meios, o homem está sujeito às suas diversas leis simbólicas, essas fundadas a partir da cultura praticada pelo coletivo e seus interesses. Portanto, aspectos que deveriam ser naturais, como a sexualidade, passam por uma infinidade de limitações que impedem um indivíduo de se relacionar com outro sem que haja uma concordância de ambas as partes, considerando que para haver isso, existe uma infinidade de condições além do desejo sexual, ou seja, um complexo jogo de interesses constituído pelas já citadas leis simbólicas.
Nessa condição, o indivíduo é reprimido, suas condutas naturais, instintos que habitavam seu universo psicológico, são impedidas de se manifestar diretamente, permanecendo retidas em sua mente até uma situação oportuna de liberação, onde as leis simbólicas estão, por algum motivo, inibidas. Porém, não havendo essa oportunidade, o indivíduo entrará num estado de recalcamento, onde o princípio do prazer (sabendo que o prazer é tudo inerente à satisfação dos instintos, seja na alimentação, sexualidade, necessidades fisiológicas e agressividade) entra em conflito direto com o princípio da realidade, o estado social em que ele está inserido e que tenta o isolar, sem sucesso, de seus atos naturais.
Neste contexto, questionamentos podem ser feitos quanto aos limites psicológicos humanos em relação aos seus instintos, torna-se fascinante a observação deste conflito de comportamentos, fazendo-nos pensar, até onde o homem consegue reprimir seus reais sentimentos? Aqueles suplantados pela sociedade, capazes de destruir uma reputação, seja ela familiar ou profissional, um simples deslize que atinja a moral de um indivíduo pode acabar com uma carreira e retroceder uma longa história de sucesso e beatitude, a lista de vítimas deste cenário é longa, e desperta longas reflexões de caráter psico-social.


Nenhum comentário:

Postar um comentário